07 agosto, 2011

Homilias dominicais (citando Saramago) - 43

O muro caiu? (Não este, que Israel construiu). Quantos se ergueram e erguerão, desde então?

Não venho falar de um muro em particular, mas de todos os muros. Dos que se erguem e daqueles que, sem se verem, estão lá. Venho lembrar aqueles que tiveram (e continuam tendo) uma leitura errada sobre tais construções e quedas. Como pensam corrigir rumos, com visões tão distorcidas dos actos dos homens?

HOMILIA DE HOJE


"Tão certo como termos todos de morrer, um dia o muro teria de cair. Ninguém (falo dos governos e dos poderes de aquém e de além-mar) queria que ele caísse, mas ele caiu. Por efeito do que eu chamaria, retomando uma conhecida expressão que tem dado para tudo, a aplicação da democracia direta. De repente, o mundo (pelo menos esta gentilíssima Europa) parece disposto a mudar: basta que saiam uns tantos centos de milhares de cidadãos à rua, e logo os governos começam a tremer, a ranger, a estalar, e aí estão eles, feitos em cacos, arrastando consigo os próprios regimes que, simultaneamente, justificavam e os justificavam. Se a prática continua, vou ter muita pena de ir-me desta vida: agora é que a felicidade coletiva ia começar.
A lição que pessoalmente extraio do admirável acontecimento (mais do que uma lição será um voto) é que, a partir de agora, nenhum muro mais seja levantado antes de se buscarem, incansavelmente, as soluções que o possam evitar. Isto é, que se trabalhe e eduque para a paz e não para a guerra. Só espero que as mesmas multidões que derrubaram o Muro de Berlim não se lembrem um dia de voltar à rua para aplaudir, num contexto político diferente, outros muros e outras fortalezas: como sabemos, a espécie humana não é muito de fiar...
E como agora estão em moda os concursos de idéias, permito-me apresentar, fazendo uma variação sobre o tema, três ou quatro sugestões para o avanço da humanidade: que se deite abaixo o muro do apartheid, que se deite abaixo o muro entre o Norte e o Sul, que se deite abaixo o muro que protege a droga, que se deite abaixo (mas isto é pedir o impossível) o muro que divide os ricos dos pobres...
Finalmente (é bem certo que palavra puxa palavra), os partidos comunistas não deveriam considerar agora o seu nome de comunistas como se também ele fosse um muro a derrubar: há algo de confrangedor e de patético nessa agitação onomástica. Se não está em causa, disfarçadamente, mudar de objetivos (os do socialismo e os do comunismo) então direi que mudar de nome não servirá de nada se não, mudarem os processos, os métodos, os caminhos: não foi o nome que errou, foram, sim, os que se serviram dele para, na prática, o negarem. Ter razão tarde de mais não chega para ressuscitar os mortos e pode não ser suficiente para recuperar os que ainda estiverem vivos."
Saramago in “Sobre o derrube do Muro de Berlim/Folhas Politicas”, – pág. 166

Imagem retirada do video que está ao lado

15 comentários:

  1. A ideia dos muros em todo lugar se põe (ou impõe). Medos de mudanças do que é conhecido e estabelecido faz com que o homem erga o muro. Quando se vê um muro a primeira imagem que surge é a da proteção, pois foi assim que eles foram criados. No entanto, não estamos mais no tempo de conceitos únicos. As figuras de restrição e imposição do previamente estabelecido por alguns, que se julgam senhores da situação de estabilidade há de ser questionada também.
    Um grande bj querido amigo
    Bom domingo, sem muros...

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  2. Caro Rogério
    Sou daqueles que não procuro nas palavras dos outros, argumentos para as minhas atitudes e acções. Naturalmente que estou atento, ao que dizem e fazem. Não esperava encontrar neste extracto de Saramago, algo que responde a algumas das minhas atitudes no passado e no presente.
    Ergam os muros que quiserem, mais tarde ou mais cedo, serão derrubados.
    Abraço

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  3. Todos os muros serão deitados abaixo... ou quase todos... e é por isso, que aconselho vivamente que vejam este demorado filme e até ao fim. Poderá fazer a diferença. A contagem é decrescente. Tem a ver com o colapso da bolsa.
    Um forte abraço Rogério.

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  4. sera que os meus muros sao para impedir alguem de entrar ou para impedir que eu saia?

    Bjinhos
    Paula

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  5. «como sabemos, a espécie humana não é muito de fiar...»

    Muito oportuno este texto!...
    Os muros são figurações da fragilidade humana, das suas próprias limitações e incompetências.

    L.B.

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  6. mais uma vez obrigada pelo comentario :)

    tem um talento unico para a palavra

    ja sinto falta de intimadades da alma

    Bjinhos
    Paula

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  7. ...obrigada pela visita
    e carinhos lá em casa,
    onde nunca haverá de
    transpor muros.

    bjbjbjbj

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  8. Que Homem verdadeiramente conhecedor da natureza humana e da história da humanidade, Saramago!

    Conheço-o bem na sua vertente literária. Mas estou a conhecê-lo melhor na sua vertente político-filosófica a partir deste seu espaço.

    Obrigada, querido utilizador da Praia da Areia Branca - que sempre foi bem bonita!

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  9. Já tentei comentar, mas sem sucesso.
    O problema é com a minha falta de Net!

    Dizia que está tudo no último parágrafo, o qual gostei particularmente.

    Há muros e muralhas a derrubar...
    Beijinhos

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  10. Os muros acabam todos po cair...e, por vezes, até são derrubados por dentro

    Boa semana

    Ah, é Évora, sim rsss Aliás , a derradeira foto tem o ex-libris da cidade: o dito Templo de Diana rrss

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  11. Dos muros e dos "murros".
    Que nunca a voz te doa.

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  12. Estou a ler o teu post e olhando para a TV de soslaio para imagens que chegam de Londres...periferias, muros que foram erguidos...

    Excelente edição.

    bj

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  13. Desde que caiu o muro de Berlim muitos outros se levantaram , mas ninguém parece dar importância. Quando passaram 20 anos sobre a "queda" escrevi dois post sobre o asunto, um dos quais num blog colectivo de que fazia parte.
    Nem imagina a chuva de críticas que recebi por ter falado nos muros que se ergueram depois...

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