31 dezembro, 2012

Mais um ano... cai o pano (em dia de aniversário)


Um aniversário festejado...

A mesa ia sendo retocada pela Vizinha do 4º andar e pela Dona Esmeralda. As meninas das Conversas da Esplanada iam engalanando a sala. A pouco e pouco os convidados foram chegando e o Rogérito, que é da casa, ia abrindo a porta. 330 vezes a campainha tiniu  330 vezes o menino a porta abriu. O senhor engenheiro ia entretendo o tempo, falando com o Ano Velho, enquanto o seu cão rafeiro ia procurando caricias aos que chegavam. Ao fim de alguns minutos, a sala passou de um murmúrio a uma autêntica feira, tal era a conversa pegada em que transformara a casa. Falaram de tudo e de nada. Falaram e gargalharam, saboreando os "coquetailes" que Eu, Minha Alma e Meu Contrário íamos  distribuindo. Iam na terceira rodada e foi feita uma saúde, e a larga sala sala encheu-se de tchim-tchim, com sorrisos dirigidos para mim. Até que alguém se lembrou e gritou: "discurso!, discurso!". O grito de pronto se alargou...

...e Eu dei a palavra ao Tempo. O Velho Ano, surpreendido,  olhou Minha Alma nos olhos e fez o que lhe foi pedido:
Meus caros amigos, sabendo embora que está quase chegada a hora de me ir embora, aproveito a oportunidade que me é dada para vos deixar palavras medidas e reflectidas. Vou ser acusado de ter sido um mau, muito mau ano. Nada de mais errado atribuir ao Tempo aquilo que está fora das suas competências. Não sou o causador de vossas rugas, quem as marca no vosso rosto é a vida. Não sou o causador das vossas dores, sois vós próprios, caras senhoras e caros senhores. Sois vós próprios e as vossas circunstâncias, e mesmo estas não me podem ser imputadas. O tempo, este vosso servo, apenas é uma referência intangível a quem nada é exigível. Ninguém até hoje me tocou. Ninguém até hoje me fotografou, desenhou ou me descreveu a rigor. Contudo existo, mas apenas marco referências de factos ocorridos, de actos omissos, de oportunidades tidas ou perdidas. E logo, quando cada badalada for ouvida, das doze que serão escutadas, não esqueçam de juntar aos vossos doze desejos, palavras minhas: Que cada desejo não entregue ao tempo anseios que dependem de gestos. O tempo nunca resolveu nada que os povos não tenham querido resolver. Que cada um saiba o que de importante pode e deve fazer. Que a sabedoria vos ilumine. 
São os meus votos.
A sala fez-se em silêncio, talvez com 330 consciências procurando no fundo do coração e da alma, os gestos necessários que lhes cumprirá realizar, para o Ano Novo que não tarda a chegar.  Faço meus os votos do Velho Ano.

Cai o pano, sobre este ano

30 dezembro, 2012

Os meus melhores posts, em 2012 - II

Imagem StreetArt

Os meus melhores posts nem sempre tiveram coincidência com o facto (desejado) de sobre eles choverem comentários. É este um caso, tirado de uma trilogia editada e que tanto me agrada, a que dei o titulo: "De cada um o que puder dar, recebendo em troca tudo o que precisa"... e falava da utopia.

Mas houve posts belos, pejados de comentários, como foi o caso do editado relativo a um facto querido. Mas não esqueço este, onde uma quadra dada por mote, recebeu mais de uma centena de quadras, em continuada desgarrada. E foi assim que começou:
Cantigas de portugueses
São como barcos no mar
- Vão de uma alma para outra
Com riscos de naufragar. 
Fernando Pessoa, em  12.Junho.2012

Os meus melhores posts, em 2012 - I


SONHO À VISTA
(a caminho da terra da Utopia)
Os mostrengos são cada vez mais numerosos
E rodeiam a nau voando
Não três, mas mil vezes, e mais raivosos
Na ré, de pé,
O mesmo homem do leme
Que depois de ter tremido, já não treme
Gritando o grito que o poeta lhe colocou na voz 
No mastro real,
Também igual,
Está o mesmo gajeiro
No ponto mais alto do navio, será o primeiro
A dar noticias, quando as houver que dar 
Naquela travessia
Decidida
Que ousaram desafiar
Se empenhando com todo o seu ser e querer
As ondas são vagas de meter medo
Se houvesse medo de lhes ter
A fome roer-lhes-iam a entranhas
Se houvesse sentir entranhas a roer
A incerteza espalhar-se-iam com os ventos
Se houvesse que a sentir nesses momentos
Tudo o que de mau, escuro e duro
Lhes diziam ir acontecer, aconteceu
Mas nem um só esmoreceu
(embora muitos ficassem pelo caminho
por tão dorido e sofrido ele ser)

As sereias, desistentes,
Mergulharam em desafinado cantar
O céu, que fora de breu, clareou
O mar, que fora alteroso, se amainou
E por fim a noticia esperada
Do alto da nau gritada
Sonho à vista
Sonho à vista, foi o grito repetido,
Por quem sofrendo ali chegou

(A imagem foi roubada a um belo pássaro azul)

29 dezembro, 2012

DN dá "bodo aos pobres", uma vez sem exemplo e em época festiva...


Não li tudo, nem espero ler o que leio no meu jornal. O meu jornal é um jornal partidário. O DN nem sei bem o que é, mas podia ser o que hoje deu a ler... um leque alargado de visões, noticias, opiniões, fora do alinhamento habitual... Podia, se fosse essa a ideia deste post, citar cada um dos convidados (a merecerem ser citados) ou ir buscar o video onde os secretários-gerais da CGTP e da UGT debatem ideias... ocorre-me apenas relevar o facto do DN ter mostrado o que podia ser um jornal:
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ENTREVISTA
- Lula da Silva - "...o que faliu foi a economia fictícia"

FORUM
- Carlos Carvalhas: "A questão da moeda única e respostas que Portugal deve equacionar"
- Tereza Pizarro Beleza: "Sobrevoando a Europa"
- Boaventura de Sousa Santos: "O Estado social, Estado providência e de bem-estar"
- Francisco Bendrau Sarmento: "Crise, direito à alimentação e soberania alimentar em Portugal"

PENSAR O FUTURO
- D. Manuel Clemente: "O papel da Europa na crise..."
- Jorge Rocha de Matos: "Uma estratégia de internacionalização alavancada na CPLP"
- Fortunato Frederico: "Façam as elites o seu papel"

PORTUGAL VISTO DE FORA
- Murade Muragy: "CPLP é um mar de oportunidades"
- Pepetela: "A crise"
- Tarso Genro: "A crise da social-democracia é também uma crise da democracia como valor universal"
- José Antonio Griñán: "Aquilo a que chamamos Europa"
- Pilar del Río: "Não se mexam, isto é um sequestro"

28 dezembro, 2012

Para gosto meu, em 2012 aconteceu...

Um nó pode ser resistente, depende da corda que o sustente

Continuando o balanço, listo agora ocorrências que deixam rasto, esperança e lastro:
Ocorreu a criançada crescer e serem mais estreitos os laços e os abraços
Ocorreu uma sala cheia de amigos e sorrisos a ouvirem falar de um meu livro
Ocorreu conhecer novos poetas tecendo versos de palavras pensadas
Ocorreu ver a meu lado a rua crescer com vontade firme e irmanada
Ocorreu cantar e ouvir a canção no meio de uma alargada multidão
Ocorreu ser delegado a um congresso, o tal que jamais esqueço
Ocorreu ver juntar vozes que atam pontas antes dispersas 
Que mais posso desejar do que o reforço dos nós? 

27 dezembro, 2012

Para desgosto meu, em 2012 (ainda) não aconteceu....

coisas que (ainda) permanecem... estão presas por um fio... aumente-se a tensão da corda!

A proximidade do fim do ano merece um balanço, que começarei hoje a fazer. Começo por listar o não acontecido expressando os votos de, para o ano, os ver acontecer:

Não ocorreu a ruptura com as certezas impostas. 
Não ocorreu a ruptura com a troika.
Não ocorreu a ruptura da trindade interna, que vê ser única solução a sua imposição. 
Não ocorreu o acordar desejado, apesar de tanto ser cantado. 
Não ocorreu o susto que fará acordar quem dorme. 
Não ocorreu o povo sair desse sono enorme em que dormem tantos dos enjeitados, humilhados e ofendidos, esquecidos da humilhação e da marginalidade social para onde os estão a empurrar. 
Não ocorreu a cidadania descer à cidade. 
Não ocorreu os poetas acertarem versos contra a adversidade.  
Não ocorreu, mas está preso por um fio o tanto que não aconteceu.  
Aumente-se a tensão sobre a corda.
E o povo acorda. 
  

25 dezembro, 2012

NATAL (um conto colectivo, editado em 2010)

...até o camelo se riu...
"...Andavam assim todos em desatino, por todos sítios e lugares, esquecendo até o menino. Menino de Jesus chamado e nas palhinhas deitado. O pai que tinha sido apanhado em flagrante achocolatar sapatos fingindo-se de um pai que não era, não conseguia disfarçar a contrariedade. Como iria explicar à restante família que fora apanhado e causador por desfazer uma crença que todos julgavam comum a toda e qualquer criança. Foi então que o filho mais velho, ainda dorido pelos beliscões do mais novo, arquitectou um plano. Explicou ao pai, com o espanto do mais novo, dada a bem engendrada proposta de encenação. Os três combinaram nada ter acontecido. Os irmãos, fingiriam continuar em sonhos natalícios e o pai fingiria não ter sido apanhado. E assim, em grande cumplicidade, juntaram-se aos restantes familiares. Foi tal o teatro que todos os adultos ficaram convencidos que continuariam a prolongar o mito dos putos. O mais velho piscou o olho ao mais novo e depois ao pai e os três esboçaram um sorriso de indulgência. É que para a gente crescida há que ter paciência. O menino Jesus, amante da verdade, também sorriu continuando nas palhinhas onde continuava deitado (acho que por gostar da verdade e que veio a ser crucificado). Mas não só o menino fez isso, foi todo o presépio a sorrir e também a estrela iluminada. Até o camelo do rei Belchior soltou uma sonora gargalhada.…" Rogério Pereira
_______________

A quem teve a ideia de escrever este conto a várias mãos, a quem o escreveu, a quem há dois anos o leu, a quem passados dois anos, mesmo passando a correr, não se dispensa de o ir ler, renovo os votos de 

BOAS FESTAS

24 dezembro, 2012

Pode não ser uma canção de Natal... ou será?



(...)
Sou a gaivota que derrota
todo o mau tempo no mar alto.
Eu sou o homem que transporta
a maré povo em sobressalto.
E quando agarro a madrugada,
colho a manhã como uma flor
à beira mágoa desfolhada,
(...)
Ary dos Santos

Logo, depois de Jesus nascer, o garoto jogará com o jogo que o Pai de Natal lhe dará... e irá mata-los rapidamente!

"Massacre em escola 'obriga' canais de TV a adiar projectos - Estações televisivas dos EUA resolveram adiar série, 'reality shows' e filmes sobre violência e armas em respeito às famílias das 26 vítimas de tiroteio em Newtown." Lê-se no DN de ontem...
No Corte Inglês, a mãe olhava o cartaz daquele filme que passa no cinema, enquanto o miúdo insiste na compra da consola e daquele jogo engraçado em que se mata por tudo o que é lado. A mãe adora o Brad Pitt, o garoto adora a consola. Como vai adorar o filme que vai programar, pois às 2 da manhã não sabe se dá para ver... (irá certamente adormecer)
...Várias estrelas americanas juntaram-se e fizeram um vídeo que foi lançado no Youtube contra a violência e o uso de armas. Coitados, parecem desconhecer que uma sociedade doente produz gente demente... as armas são a consequência e não a origem. Depois do Natal, tudo voltará à anormalidade que se considera normal.




post inspirado por um amigo que conheci no sábado passado (Octávio Santos)

21 dezembro, 2012

Um conto de Natal (que, como todos, não acaba mal)

imagem "Morte e Vida" de Gustav Klimt 

"A morte voltou para a cama, 
abraçou-se ao homem e, sem 
compreender o que lhe estava a suceder, 
ela que nunca dormia, sentiu que o sono 
lhe fazia descair suavemente as pálpebras.
No dia seguinte ninguém morreu." 
Saramago - As intermitência da morte" - pág. 214


Se a Morte tivesse qualquer sentimento, como em tempos terá sentido, esse sentimento seria o da surpresa aliada à sua confessada impotência de, por si mesma, acabar com a vida. A surpresa tida foi pela manifesta ignorância do ministros. Mas foi da sua impotência em satisfazer o governo que falou demoradamente, naquele conselho onde o primeiro ministro a quis presente. "É a vida que determina quando intervenho", disse a Morte. Disse-o mais que uma vez e ilustrou que é coisa humana o acontecer encurtar-lhe a chamada. Mesmo que o último sopro de vida seja coisa natural, ela tem de esperar que tal aconteça para cumprir a sua tarefa. Explicou que não se desespera pela espera, nem se apoquenta se a vida se prolonga. Todos os ministros a escutaram, contrafeitos por não terem, como esperavam, uma colaboração a contento. A um dado momento, a Morte deixou insinuar que apenas tinha alguma capacidade de persuasão aos vivos deprimidos para se deixarem levar por ela. Gostaram dessa parte e logo o  ministro da coisa social lhe estendeu uma pen, dizendo-lhe. "Tem nesta base de dados milhares de coitados a quem cortámos a pensão, a quem lhes vai faltando a sopa e o pão, a todos cortaram a electricidade por falta de pagamento e a água ser-lhes-á cortada a qualquer momento, faça o seu melhor".

A Morte saiu à rua pronta para cumprir a tarefa prometida de ir, na medida dos seus saberes, acabando com a vida. E assim fez, seguindo a lista que o ministro lhe dera. O tempo foi-se passando e com a sua forte persuasão aumentaram os suicídios, os parricídios e muitos outros crimes de sangue. Alguns nomes da lista eram apenas convencidos a deixarem-se morrer, e morriam. Quando restava um único nome na lista, para toda a sua missão se considerar cumprida. dispôs-se a ir convencê-lo a acabar com a vida.

O homem estava sentado no escuro, pouco se incomodando com ele. Conhecia todos os cantos à casa, a disposição de todos os móveis e a colocação de tudo o que precisava mas que deixou de usar. Não era a escuridão que o incomodava. A fome ia-a enganando como podia e a sede era saciada com a chuva que ia apanhando numa bacia, numa jarra e numa panela, colocadas, uma em cada janela. Ia sobrevivendo ocupando o pensamento com coisas de não pensar. O homem levantou-se e numa decisão, não pensada, tomou um destino impensável: ser um sem-abrigo. Na rua, andou, andou, andou e os pés e pernas lhe incharam de tanto andar. Perdeu a noção dos dias. Perdeu a noção de tudo. Fugia de todos, até dos outros sem-abrigo. A Morte, que o seguia, sentindo a falta do luar, resolveu ser a altura certa para o abordar. "Que vida esta, aquela que tu levas?" e o homem não lhe respondeu. "Porque não lhe pões fim?" e o homem não lhe respondeu. "Ninguém suporta uma vida assim..." e o homem parou, olhou a morte de frente e, sorrindo sem lhe responder, seguiu-lhe a sugestão. Seguiu em frente, virou à direita, meteu-se pela rua estreita e depois por outra, larga, que dava para a marginal. Atravessou-a, lentamente, direito ao penhasco que havia ali, sobre o mar. Nem ouviu o que se teria ouvido se mais gente por ali andasse. E o carro com travões a fundo e guinando para um dos lados, não evitou o embate...

Uma luz clara inundava todo o branco ambiente que se ia alegrando com os tons coloridos das luzes que iam piscando, de um canto. Abriu os olhos e deu com uma cara de anjo que o não era pois os anjos, que se saiba, não usam estetoscópios pendurados em pescoços bem torneados. A médica sorriu-lhe, "Livrou-se de boa, dorme há três dias. Amanhã, se tudo correr bem, já pode ter alta" e quando ia a sair regressou "Há uma senhora, que tem vindo todos estes dias, deixou-lhe este recado." e estendeu-lhe um papel perfumado. Dizia:
"O governo foi demitido depois da sublevação impetuosa dos sem-abrigo... tu eras o último da lista... Não te incomodo mais. Incomoda-me tu a mim." e tinha um número de telefone de uma rede fixa, no fim.

Rogério Pereira
_______________________ 

Atenção, o conto é meu
O que não pareceu a alguém que o leu

Fim do Mundo...

imagem retirada de um anúncio oportuno: FOI CANCELADO O FIM DO MUNDO

"A Terra rebentará, podemos tê-lo por seguro, mas não será para amanhã hoje. Do que estamos a necessitar é de um bom susto. Talvez despertássemos para a acção salvadora." 
José Saramago, in "Outros Cadernos..."

20 dezembro, 2012

80/20


- Proquéque...
- Porque é que...
- Porque é que os filhos quando fazem batota com os pais pedem perdão aos pais e os pais quando fazem batota com os filhos não pedem desculpa aos filhos?
Com pouco mais de 3 anos, ele, tendo apenas 20% do meu universo de palavras,  já exprime 80% do meu juízo...

Poesia (uma por dia) - 21


O Natal de Cristo

Verbe incréé, source féconde
De justice et de liberté!
Parole qui guéris le monde,
Rayon vivant de vérité!

Delamartine, Harm.

I.

O César disse do alto do seu trono:
'Pereça a liberdade!
Quero contar os homens que há na terra,
Que é a minha humanidade.'
E, cabeça a cabeça, como reses,
As gentes são contadas.
Pro-cônsules e reis fazem resenha
Das escravas manadas,
Para mandar a seu senhor de todos
Que, um pé na Águia romana,
Com o outro oprime o mundo. A isto chegará
A vil progénie humana.

II.

E era noite em Belém, cidade ilustre
Da vencida Judeia
Que a domada cabeça já não cing
e Com a palma idumeia:
Dois aflitos e pobres peregrinos
Cansados vêm chegando
Aos tristes muros, a cumprir do César
O imperioso bando...
Tarde chegaram; já não há poisadas.
Que importa que eles venham
Da estirpe de Jessé, e o sangue régio
Em suas veias tenham?
Na geral servidão só uma avulta
Distinção - a riqueza;
Na corrupção geral só uma avilta
Degradação - pobreza.
Os filhos de David foram coitar-se
No presepe entre o gado,
E dos animais brutos receberam
Amparo e gasalhado.

III.

E ali nasceu Jesus... ali a eterna,
Imensa Magestade
Apareceu no mundo - ali começa
A nova liberdade.
(...)
Almeida Garrett, Flores sem Fruto

19 dezembro, 2012

Escrever...

mesa de José Saramago (imagem da net)

Escrever é revisitar a realidade e recreá-la ao contá-la, olhando as palavras por dentro...
É por isso que não raras vezes quem lê, vê (tudo e) mais do que aquilo que está escrito.
E isso é bonito

Ler...

Post via Biblioteca Municipal de Beja

“Ler dá-nos um lugar para ir quando temos de ficar onde estamos.”
José Saramago

18 dezembro, 2012

OEIRAS: Amanhã, quarta-feira (concentração) às 18 e 30, frente à Câmara...



Não será o que (por enquanto, ainda) é: "Concelho de Oeiras reduzido a metade"
«Corte-se tudo, corte-se o salário e por via dele corte-se tudo o que compõe a refeição: a sopa, o vinho e o pão. Corte-se na educação, no recreio, no ensino e na canção. Corte-se na saúde, corte-se na pensão. Corte-se na proximidade ao cidadão. Corte-se na vida apressando a morte. Cortem-se as asas, os horizontes e os caminhos sobretudo aqueles que possam conduzir à felicidade dos povos. E se ainda assim a ditadura do mercado permanecer insatisfeita, esfaqueie-se a democracia. Será um corte indolor pois que ela há muito que entrou em coma… e, já agora, corte-se essa canalhada desnecessária à eutanásia pois, como sabemos, não está legalizada. »
Rogério Pereira, 
(actualizando um texto com mais de dois anos)
 Imagens e historia das freguesias do concelho de Oeiras 

17 dezembro, 2012

Fernando Lopes Graça (hoje faria 106 anos) dar-vos-á, por mim, as boas festas, numa Câmara que já foi Clara (hoje apagada) e ao mesmo tempo, lembro, prendas por mim dadas...



Ao longo dos dias tenho distribuído poesias (uma por dia)...
Não me posso ver como um Pai de Natal, mas gostaria que me vissem como tal

Boas Festas !



"Ó Meu Menino Jesus" de Fernando Lopes Graça

Poesia (uma por dia) - 20



próxima de ti...

Onde estás, alimento dos meus sonhos?
Estou perdida sem saber onde te procurar...
Persisto no sonho, nesta busca eterna
Estarei perdida no caminho?

Continuo a imaginar-te nos meus sonhos
Nas asas alvas do amanhecer, sei-te próximo...
No orvalho da esperança, as rosas contam-me de ti
Irei algum dia descobrir-te nas nuvens?

Estarei na rota certa, no sonho de luz?
Se pudesse aproximar-me de ti...
E dizer-te saber, que as nuvens são azuis

Se conseguisse ver-te de novo…
Os sonhos tornar-se-iam estrelas
Serias o refúgio no céu, para onde voaríamos.

16 dezembro, 2012

Nações Unidas propõem renegociação da dívida: "Se Portugal não o fizer já, terá de o fazer daqui a seis meses, de joelhos", afirma Artur Baptista da Silva, o economista português que coordena uma equipa do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento...

Imagem retirada daqui
Uma mentira muitas vezes repetida passa a ser uma irrefutável verdade. Uma verdade repetida mas insistentemente escondida, é verdade que não existe. Mas se a tal verdade consegue vencer o silêncio a que é remetida e aparece, repetida, de cada vez que aparece, logo é desvalorizada e apelidada de cassete. A pretensa verdade é que não há saída. A verdade desvalorizada é que há alternativa: renegociar a dívida.

A pouco e pouco vai-se desanuviando o nevoeiro. E todos os dias aparecem novas (e autorizadas) vozes. Todos sabem que o tempo conta, e o governo sabe que luta contra o tempo, tempo que muitos têm dado a contento. Tempo para refundar: refundar o Estado, refundar tudo o que nele puder ser refundado; refundar a saúde, refundar a escola, o ensino, a pensão do velho e o subsidio ao despedido; refundar o conceito de trabalho, o horário e o salário; refundar o tempo de lazer, refundar o sol e o mar, refundar aldeias, vilas e cidades até fartar. E se ao fim de seis meses ainda não se tiver tudo refundado, que se refunda o calendário pois é o tempo que está errado...



NOTA: A imprensa vai calando e retardando (tanto quanto pode) as vozes dissonantes. Neste caso o Expresso publica esta entrevista com mais de um mês de atraso sobre o discurso de Artur Baptista da Silva, dado a conhecer numa conferência que pode ouvir aqui.

Poesia (uma por dia) - 19


GRITOS
Que mal há
em gritar palavras ao vento
mesmo que ele sopre em sentido contrário...

Ninguém nos ouve, é isso?

Ninguém nos responde...

E nós, que ouvimos o nosso grito fugindo,
e que pomos nesse grito
a força do vento que passa,
acaso não somos alguém?

15 dezembro, 2012

Álvaro Cunhal, "Porque nenhum de nós anda sozinho / E até mortos vão a nosso lado.” - 5

pintura de Álvaro Cunhal
Muitos dirão entre o tom displicente e o descrente: mais uma manifestação. Eu não me interrogo, tenho a certeza que, mais dia menos dia, esses que olham a rua, de forma distante, reconhecerão que vale a pena ser a água corrente, insistente, batendo em pedra dura.

A persistência tem antecedentes. A 2 de Maio de 1950 iniciou-se o julgamento de Álvaro Cunhal no Tribunal Plenário da Boa Hora. Na bancada da acusação, a PIDE. Na bancada de defesa, o seu pai, Avelino Cunhal e Luís Francisco Rebelo. No entanto, o dirigente comunista encarregou-se da sua própria defesa e de improviso, nos dois primeiros dias do julgamento, falou durante mais de dez horas. E  como parecem actuais tais palavras...

“Nós queremos que a política seguida em Portugal seja efectivamente portuguesa, seja determinada pelos interesses da maioria da população portuguesa e não pelos interesses de um ínfimo punhado de multimilionários que se tornam cúmplices dos imperialistas estrangeiros nos conselhos de administração das grandes companhias. Nós queremos que a independência portuguesa seja uma realidade vivida pelo nosso povo e não uma frase para fins publicitários.” -  (Álvaro Cunhal, Maio de 1950)

Poesia (uma por dia) - 18


Esconde-me 
esconde-me...

como se eu fosse a flor mais rara do teu jardim
retira os espinhos que me nasceram na alma
abre trilhos de ternura na raiz
e deita fios de água na seiva desordenada

depois...

ao desfolhares as minha pétalas
pelo tempo já gastas e desbotadas
guarda-as na caixa dos teus sonhos
como se fossem preciosas pérolas...

de lágrimas

Fê Blue Bird /"Só te peço 5 minutos"

14 dezembro, 2012

Resposta a comentários, vários...

... e virão ainda nuvens mais negras (imagem tirada à Isa)

Não é por acaso que uso palavras de alguém de "outra família" para vir responder ao que me andam a dizer. De tudo o que disse hoje João Semedo, a maior parte eu subscrevo. E a propósito de comentários, vários, sobre o entendimento e unidade com o PS, acrescento algo não dito (expressamente) por ele:
As divergências com o PS são de fundo. Qualifica-las como querelas partidárias, teimosia e luta por protagonismos mesquinhos ou entendê-las como colocar em primeiro lugar interesses partidários, é não compreender (minimamente) as consequências dramáticas dos compromissos com o acordo assinado, nem com as politicas seguidas...

Poesia (uma por dia) - 17



Pátria

Por um país de pedra e vento duro
Por um país de luz perfeita e clara
Pelo negro da terra e pelo branco do muro

Pelos rostos de silêncio e de paciência
Que a miséria longamente desenhou
Rente aos ossos com toda a exactidão
Do longo relatório irrecusável

E pelos rostos iguais ao sol e ao vento
E pela limpidez das tão amadas
Palavras sempre ditas com paixão
Pela cor e pelo peso das palavras
Pelo concreto silêncio limpo das palavras
Donde se erguem as coisas nomeadas
Pela nudez das palavras deslumbradas

- Pedra rio vento casa
Pranto dia canto alento
Espaço raiz e água
Ó minha pátria e meu centro
Me dói a lua me soluça o mar E o exílio se inscreve em pleno tempo. 
Sophia de Mello Breyner Andresen

13 dezembro, 2012

700 propostas de alteração, a expressão exacta do sentir do povo!


Dos vídeos que reportam a grande manifestação de 31 de Março contra a extinção das freguesias, depois de muito hesitar sobre a dimensão a salientar, se a política se a cultural, escolhi esta. Podia escolher qualquer outra, mas é no significado do sentimento das raízes do povo e da sua entidade, que hoje quero colocar a ênfase. Até para pôr em destaque a iniciativa da força política que pauta a sua acção pela atenta leitura do sentir das gentes...

É assim que a lembrança dessa grande manifestação enquadra a noticia "inesperada" da iniciativa da bancada comunista. Diz Bernardino Soares (que pode ouvir aqui):
"(...) Vamos querer que sejam votadas uma a uma porque perante cada uma das extinções todos os deputados têm de dar o seu acordo ou desacordo. Não vamos aceitar que alguns deputados digam nos seus círculos, nos seus concelhos, nas suas freguesias que estão contra a extinção daquela freguesia e depois votem aqui anonimamente a sua extinção num anexo que engloba milhares de alterações" (...)

Poesia (uma por dia) - 16


sentido
... talvez te pudesse falar do inverso dos caminhos
dos escudos colocados
em que a pele não se atreve a respirar

e de como são livres todas as ilhas
e meus
entre os teus dedos
todos os aromas do caramanchão do jardim

talvez te contasse do arco-íris
dos dias macios
a anteceder os dias plúmbeos;
dos meus lápis de cera
do teu rosto que afago

da flor do cardo
a reflorir, noviça e vitalina, na noite escura

e desta luz cindida que ocupa o teu lugar
e (nos) ilumina...

talvez, por certo, ainda,
houvesse nos meus olhos, sereníssimos lagos,
à linha d'água,
lugar aos teus
dulcíssimos

- colo e desejo rasgado -,

se me és, inequívoco, sol e barca solar,
suprema nota,
aragem íntima e última, da harpa da vida...

Mel de Carvalho / Noite de Mel

12 dezembro, 2012

Ainda o Congresso (o tal que eu não esqueço) e a questão de eu ser um gajo quadrado... ou não

Minha Alma interroga sempre Meu Contrário, se Eu estou certo ou estou errado...

Um dia, dei por mim a ter de afirmar publicamente não ser um gajo cinzento e fundamentava, esse não ser, com canções.  Hoje, depois do Congresso, interrogo-me se não serei um gajo quadrado, coisa que oiço me acusar por muito lado. Quadrado é um gajo fechado num polígono que deixa a mente cercada, que para o lado de fora não vê nada. Isso!, um gajo quadrado é uma mente ortodoxa, enviesada, que vire-se para que lado se virar, não vê mais nada que aquilo que lhes foi na mente inculcado e que se repete, repete. A mim, dizem-me que tenho, e uso, a cassete...

Esta inquietação persegue-me. Até por que dou comigo a associar, repetidamente, PS-PSD-CDS/PP. Dou comigo a afirmar frequentemente, que este governo é péssimo mas o do PS não é diferente. E pimba, levo na cabeça até dizer chega: que é essa minha forma de ser e estar a razão pela qual a tal "família de esquerda" anda desavinda e nem no Natal se vai conseguir juntar...

Fui ler isto aqui e fiquei a pensar... Minha Alma me segredou ao ouvido "Não pode ser da família, alguém que assinou aquilo". Meu Contrário me trouxe o recado: "Há gente a pensar como tu e não é gente quadrada"

Sei que não obstante todo este escrito, não vou deixar de ouvir o disco "é pá, és uma cassete"... 

Que fazer?

Poesia (uma por dia) - 15


Mantenho o silêncio
As palavras valem o que valem.
Palavras prometidas podem nada contra a inércia da vontade.
No desencanto, não há brilho que as palavras possam conferir ao olhar.
A dor da fome não se alimenta com palavras.
A mais bela poesia não confere colorido a uma alma enlutada.
O desamparo precisa de um abraço permanente, de um carinho coerente, não quer saber de palavras.
Palavras não saram o arrependimento nem desfazem o erro.

Gosto do olhar.
Regozijo-me no abraço.
Sorrio enlevada por acordes musicais.
Saboreio o calor do Sol na pele, a luz que acorda sensações.
Gravo na memória a gargalhada infantil dos meus amores.
Deixo-me ficar no rumorejar das ondas num namoro eterno com a areia.
Prezo a atitude. 
Desprezo tantas palavras…
Sofia Champlon de Barros / Escrito a Quente

11 dezembro, 2012

Talvez se enganem...



A transferência dos serviços públicos para o sector privado é uma estratégia planeada. No ensino,  está a ser conduzida de forma sinuosa, labiríntica e violenta. Do aumento, agora, da carga horária dos professores aos mega-agrupamentos, passando pelo que no video é denunciado, tudo parece ser lançado com desnorte. Nada mais errado. Tudo está planeado. No meio, os professores, são sujeitos a uma tortura impiedosa. Os golpes são sucessivos e cada golpe novo é mais duro e violento que o outro. 

Com a dor espera-se que o corpo se lhes torne dormente e percam a capacidade de reagir. 

Talvez se enganem...
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"A GPS é um poderoso grupo. 26 escolas de norte a sul do País, invariavelmente ao lado de escolas públicas e com contratos de associação com o Estado. Em 10 anos criou mais de 50 empresas em várias áreas, do turismo às telecomunicações, do ensino ao imobiliário. António Calvete, presidente do grupo GPS, foi deputado do PS no tempo de Guterres e membro da Comissão parlamentar de Educação. Para o acompanhar nesta aventura empresarial chamou antigos ministros, deputados, diretores regionais de educação. Do PS e do PSD: Domingos Fernandes, secretário de Estado da Administração Educativa de António Guterres, Paulo Pereira Coelho, secretário de Estado da Administração Interna de Santana Lopes e secretário de Estado da Administração Local de Durão Barroso, José Junqueiro, deputado do PS. Todos foram consultores do grupo GPS. Mas entre os políticos recrutados pela GPS estão as duas principais figuras desta história: José Manuel Canavarro, secretário de Estado da Administração Educativa de Santana Lopes, e José Almeida, diretor Regional de Educação de Lisboa do mesmo governo. Foram eles que, em 2005, assinaram o despacho que licenciava a construção de quatro escolas do grupo GPS com contratos de associação para receberem alunos do Estado com financiamento público. Ainda não tinham instalações e já tinham garantido o financiamento público dos contratos de associação. Ou seja, havia contratos de associação com escolas que ainda não tinham existência legal. Um despacho assinado por um governo de gestão, a cinco dias das eleições que ditariam o fim político de Santana Lopes. Depois de saírem dos cargos públicos foram trabalhar, como consultores, para a GPS. E nem um despacho do novo secretário de Estado, Waler Lemos, a propor a não celebração de contratos de associação com aquelas escolas conseguiu travar o processo. Alguns estudos recentes falam dos custos por aluno para o Estado das escolas públicas e privadas. Esta reportagem explica muitas coisas que os números escondem. Como se subaproveita as capacidades da rede escolar do Estado e se selecionam estudantes, aumentando assim os custos por aluno, para desviar dinheiro do Estado para negócios privados. E como esses negócios se fazem. Quem ganha com eles e quem os ajuda a fazer. Como se desperdiça dinheiro público e se mexem influências. A reportagem da TVI não poderia ter sido mais oportuna. Quando vier de novo a lenga-lenga da "liberdade de escolha", das vantagens das parcerias com os privados, dos co-pagamentos, da insustentabilidade de continuar a garantir a Escola Pública, do parque escolar público ser de luxo... vale a pena rever este trabalho jornalístico. Está lá tudo. O resumo de um poder político que serve os interesses privados e depois nos vende a indispensável "refundação do Estado". 

Daniel de Oliveira / Publicado no Expresso Online

Poesia (uma por dia) - 14


AH... OS POETAS!
Ah os poetas
Tecem os sonhos
Em dias medonhos
Nas horas incertas
Em ruas desertas
Enredam os dias
Em secretas orgias
De justiça e esperança
Ensaiam a dança
De portas abertas
Disparam alertas
Ah os poetas

Ana Tapadas / Rara Avis in Terris

10 dezembro, 2012

O Marquês parece indicar o caminho... Mas será só ao Isaltino?


Sabemos que chegámos à tremenda dívida por tramóias e malabarismos (até legais) engordado gordos, boys e bancos, que iam ficando (mais) ricos...
Destas habilidades, as Parcerias Público Privadas foram instrumentos para isso. 
Aqui onde me encontro, também há coisa a contar. E só me interrogo se é possível resolver a grande questão, que por ai anda, que é a de uma unidade de esquerda, somando gente que aceita a tramoia (e por ela vota), com aquela outra que não vai nisso. Quer a nível nacional quer aqui, lugar do Marquês do Pombal... 

Ah, e uma vez mais: os partidos não são todos iguais... (a prova está no texto a linkar)



Poesia (uma por dia) - 13

Imagem - Vox Nostra
Desnaufragar 
O céu a marcar a linha do horizonte
Com o mar ali defronte
A terra não nos irá chegar
E chamar-nos-á a memória de marear
Sossega meu barco
Não temas meu barco
Havemos de recuperar palmo a palmo             teu casco
Erguer-te a vela
Em novo mastro
Te daremos remos
E corda de atracação
E um poema
E uma canção
E um leme
E um sentido 
Nada é definitivo num naufrágio
Havemos de emendar o rumo errado 
Assim tua alma te reste inteira
Que a proa a tens virada ao sonho
Rogério Pereira

09 dezembro, 2012

Geração sentada, conversando na esplanada - 21 (as ovelhas e a Constituição)

(Ler conversa anterior)
“... é como pedir a um herbívoro que seja carnívoro ou pedir a um carnívoro que seja herbívoro”. “Não faz sentido. Ele (Cavaco)tem uma visão de um cargo de determinada maneira e pedem-lhe que faça uma coisa diferente, ao contrário do que pensa ..." - Marcelo Rebelo de Sousa 
"A ovelha só não é um animal carnívoro porque não come carne. A ovelha está sempre à beira de ser um animal carnívoro porque a qualquer momento pode começar a comer carne. Para a ovelha, não comer carne não é o mesmo que não voar. Há coisas que pode fazer e não faz, e há coisas que simplesmente não pode fazer. Assim, a ovelha não é quase um animal voador, mas é quase um animal carnívoro." - Gonçalo M. Tavares
A Gaby estava encantada com o discurso da Ovelha Choné, apelando à unidade do rebanho...

As "minhas professoras" pareciam estar na primavera, e o sol parecia estar fora do tempo. Do silêncio inicial depressa passaram à conversa sobre o Natal, e depois sobre os pobrezinhos e a fome, até que a Gaby mudou radicalmente de assunto:
- Alguém já assistiu a um comício?
- Sim! Já! Uma vez!, responderam as outras três.
- E a uma manifestação?
- Eu sim! Eu não! 
- Vamos à de sábado?
- Para quê? 
- Para pressionar...
- Pressionar quem?
- Sei lá, talvez o Cavaco. Talvez o Seguro...
- O Seguro já votou contra o orçamento....
- Sim, mas disse que vai esperar por Cavaco para dizer o que vai fazer...
- Queres-me dizer a mim que, mais uma vez, o Seguro votou "nim"

Poesia (uma por dia) - 12

Pintura de Margarida Cepêda 

FRAGRÂNCIAS DE OUTONO
"Era um navegante da vida. 
O tempo, supremo e decisivo escultor, mostrou-lhe a inutilidade do ruído, ensinou-lhe a moldar o filtro do supérfluo. Com as plantas aprendeu a fidelidade, plena de equilíbrios, no voo das aves percebeu os contornos da liberdade. Das flores, aroma indispensável a qualquer harmonia, entrou no mundo da subtileza. O espreitar das estrelas, sempre tão longe e tão perto, acentuou-lhe a percepção da infimidade. Tudo claro, tudo natural, como que obedecendo a leis do mais puro desígnio. 
Lá fora, quais eternos aprendizes de feiticeiro, os homens continuam a manipular as flores à imagem da sua sombra." 

08 dezembro, 2012

Álvaro Cunhal, "Porque nenhum de nós anda sozinho / E até mortos vão a nosso lado.” - 4



"Sem sonhadores não há sonho" (disse eu, um dia)

Poesia (uma por dia) - 11


Disfarce...
Há quem consiga viajar pretérito, amarrado em versos, encurtando a poesia de se saber ser.
Há quem se esconde no abstracto de um guardanapo, deixando de sentir a rima que brinca.
Existem pessoas perdendo as sensações que ecoam como quem rabisca o próprio nome pela primeira vez.
Existe alguém no reflexo do espelho- mesmo por entre escombros.
Há quem saiba refazer o nó em tempos de solidão, Há quem saiba conjugar perfeição e lama encontrando verdades intactas.
Há quem seja a confusão da metáfora com letras atrapalhadas. Há quem seja a parte dobrada de uma página.
Mas sempre há aquele que enfrenta aquele que não define o dia, aquele que aprende a conviver com as flores, com as dores.
Há quem esboçará um sorriso mesmo que desgastado, sentimentos não se explicam.
Há quem chegue a casa e dance ao som de um silêncio necessário.
Há quem chegue a casa fugindo dos olhares, ou de um tempo chuvoso que acontece por dentro e tudo que você tem esta além de você. 
Sempre há aquele que preenche que rasga a alma. Quisera tocar o lirismo que deforma meu imaginário onde existir, é não esquecer a rima.
Há quem traga nos olhos uma prece por amor ou cansaço.
Existe um tipo de gente simples que nos reforma por dentro, arranhando a nostalgia, nos agarrando e nos fazendo acontecer.
É isso...
Há quem consiga coleccionar vertigens. Mas sempre há um sorriso solícito, pois mesmo sem querer ou saber, somos a entrega que falta.

“Eu entendo que às vezes nos sentimos ao meio, mas nos experimentar em todos os estágios é viver plenamente.               O impulso de um grito é bem melhor do que aquilo te fez ficar em silêncio."

Vinícius. C / "Alma do poeta"

07 dezembro, 2012

JUNTAS DE FREGUESIA ESCOLAS DE VIRTUDES


"Reduzir o número de Freguesias? Admito que sim se for essa a vontade das populações. As Freguesias são mais que balcões prestadores de serviços públicos - são símbolos de proximidade,identidades referência de afectos que não têm preço - são escolas de virtudes, exercício democrático.
Numa visão mecanicista da vida, com mão de ferro, insensível este desgoverno quer impôr uma " reforma " sem diálogo sério, sem definir competências nem meios.
Este desgoverno isolado da vida real, vai gratuitamente comprar mais uma "guerra " transversal à lapela política das pessoas. Este desgoverno a soldo aposta na asfixia do Poder Local - mas será derrotado também nas aldeias.

Ainda os presidentes das Câmaras Municipais eram nomeados pelo poder central já as Juntas de Freguesia eram eleitas por sufrágio directo das populações." 

"...E, assim, cada vez mais a democracia se reduz a um esqueleto, como “coisa” descarnada e exangue – a tal “santinha dos altares”, de que falava Saramago, venerável embora, mas distante e fria..." 

Poesia (uma por dia) - 10

Cartaz "Sete sois, sete luas", imagem da net
SETE
Possuo um segredo
Guardado a sete chaves.
Coberto por sete véus
Das sete cores do arco-íris
Não é um bicho de sete cabeças,
Mas envolve alguns dos sete pecados
E algumas das sete virtudes humanas..
Ao som das sete notas musicais,
Soadas pelas sete trombetas do Apocalipse,
Posso levar você aos sete portões do inferno,
Nos sete anos dos espelhos quebrados, ou
Podemos voar sete léguas
Pelos sete céus estendidos ao longo
Dos sete mares,
Nunca dantes navegados,
Somente para visitar
Os sete planetas sagrados.
O prazo de escolha são os sete dias da semana.
Decida-se.
Antes de tudo porém,
Devo perguntar o principal:
Você tem sete vidas? 

06 dezembro, 2012

Oscar Niemeyer - In memoriam (1907 - 2012)

imagem tirada daqui

"A gente quer muito pouco: uma sociedade igual, as crianças na escola, a vida tranquila, todos juntos, a vivência mais simples, os grandes empreendimentos humanos: teatros, cinemas, estádios, ainda maiores para que o povo possa participar mais. Ultimamente, ando muito ocupado. Quase todo dia vem gente aqui para fazer entrevista, mas eu levo a conversa para outro lado porque não vou falar de arquitectura e dos prédios que faço. Nada disso é muito importante. Os assuntos de arquitectura têm importância relativa para quem é arquitecto ou para quem a arquitectura se destina. Mas acredito que o importante é a vida e a luta política. 
Lembro que um dia cheguei a meu escritório e havia um garotinho vendendo balas na rua. Ele tinha uns dez anos. Do elevador até a minha sala a miséria dele me parecia a coisa mais triste do mundo. Quando cheguei resolvi pedir a alguém para chamá-lo. Perguntei ao garoto: onde você mora? Ele disse: durmo nas calçadas. Tentei levá-lo para o estudo, mas ele estava nessa vida de luta e de aventura correndo da polícia, e foi ficando difícil até que desisti. Depois de dez anos ele apareceu por aqui, já um homem – e não para pedir ajuda ou nada – só para saber se eu estava bem de saúde." 

Poesia (uma por dia) - 9


Tateio a escuridão...nada vejo
No meu olhar há uma casa sem janelas...para lugar nenhum
Sombras pairando no tempo...desenhando os meus passos
Na penumbra da minha pele...são espectros de sombra e luz
Pairando sobre o meu corpo...amordaçando os meus braços

No lugar mais profundo da solidão...no mais ermo da vida
Na viela mais escura da noite...no deambular mais errante
Flutua a minha alma nos umbrais da escuridão... perdida
Entre o tempo e o espaço...no lamento dum eterno instante

Na bruma habitam os sonhos...no espaço breve do tempo
Num lugar recondito da noite...no regaço frio da ausência
Nesse abrigo perpétuo...crepúscular sonho de um momento
Em que me perco e me encontro longe da minha presença

Num lugar frio e distante...cai sobre mim a noite dolente
Adormecendo no meu corpo...sonhando nos meus braços
Pisando os meus anseios...anoitecendo a vida lentamente
Ecoando silêncios mudos...murmurando os meus cansaços

Nas minhas mãos prendo restos de nada...pedaços de mim
Farrapos de sonhos...fiapos de sal e mágoa no meu corpo
Pingos de chuva no meu olhar...pedaços de luar que perdi
Na lonjura onde caminho...esquecendo-me pouco a pouco

Tateio a escuridão...nada vejo...nem a minha alma encontro
Nem uma estrela fugaz que alumie um instante este caminho
Neste labirinto longo e profundo...na ausência do meu corpo
Onde vou tecendo tristemente a vida com os laços do destino

05 dezembro, 2012

Joaquim Benite - In memoriam (1943 - 2012)

Os nossos valores são os valores que copiámos e os que nos foram dados...
A construção do nosso carácter tem muito que se lhe diga e hoje as palavras são parcas. Conheci-o no Diário de Lisboa e não sabia o que mais lhe admirava, se a alegria de estar, se a irrequieta escrita, se o humor, se a sensibilidade, mas certamente os valores e a sua frontalidade. Até acontecer partilharmos a viagem de regresso de um histórico congresso, apenas nos cruzávamos nas escadas daquele velho edifício da Luz Soriano, sede do jornal. Depois disso, passámos a cruzar-nos e a trocar um sorriso em que nossos olhares expressavam um (quase sempre) silencioso "olá". Deixá-mo-nos de ver,  mas segui sempre o seu percurso, que outros amigos hoje (tão bem) recordam. 

Joaquim Benite, uma referencia da minha juventude. Deixou-nos, mas jamais o esquecerei...

Poesia (uma por dia) - 8


NÓS
Guardo estes nós dentro do peito. Nós que foram laços, mas que fui atando cada vez mais. Para que nunca saíssem de mim. Para que ficassem para sempre.

Guardo estes nós dentro do peito. São nós que não desfaço, porque são o meu conforto em horas outras. Quando me perco nas noites. Quando me falta o nosso abraço.


Guardo estes nós dentro do peito. Nós dos amores da saudade da luta da memória dos segredos. Porque são a minha vida. E por isso são cheios de tanto...


04 dezembro, 2012

Bordalo Pinheiro, o exemplo do seu traço e uma preocupação que me assiste...

Bordalo Pinheiro - Desenho retirado daqui
Lembro Bordalo e o seu traço. Lembro Bordalo e a sua inolvidável criação. Lembro Bordalo para evidênciar que a sua arte se centrava na denúncia dos processos, mais do que nos seus promotores e, assim, tinha uma acutilante e pedagógica intervenção política de denúncia. Esta lembrança me ocorre para me congratular com a existência de criativos seguidores. Da arte destes (e são muitos) um dia se fará história ilustrando a própria História. Mas uma coisa é colocar;ênfase na farsa e outra, bem diferente, é fazê-lo no farsante. E isto é uma preocupação.;
Fervilham caricaturas, montagens e fotos ridicularizando  políticos, mas descontextualizando a razão do ridículo. É um perigo. É um risco de desfocagem do essencial: a farsa de que são farsantes.

Ou dizendo de forma diferente: caricaturam-se as moscas deixando a merda ausente. E é esta a que (desde há muito) tem sido a omnipresente...

No "Público", hoje

(texto não editado on-line)
"Os congressos do PCP são congressos diferentes. Esta apreciação não é fruto de uma ligeira apreciação voyeurista da política, nem está imbuída de preconceitos anticomunistas primários. É fruto de observação do que é a realidade política portuguesa e essa permite afirmá-lo. Os congressos do PCP são diferentes, não só porque o que se passa na sala é importante, nem apenas porque os discursos são verdadeiramente políticos e programáticos, mas também porque o PCP é um partido diferente.

Todavia, essa diferença é feita de evolução e o PCP que sai do XIX congresso não é o PCP que chegou a Almada na sexta-feira, e muito menos o PCP de há uma ou de há duas décadas. Mais: o PCP pode até ser considerado um partido a anos-luz de diferença do que foi no passado. É hoje um partido que mantém toda a identidade e simbologia comunista, marxista-leninista, a sua matriz revolucionária, a sua natureza de classe e a sua atitude de vanguarda da classe operária e dos trabalhadores. 

Mantém as suas características também de partido profundamente pragmático, que está atento à sua realidade envolvente para nela sobreviver e, se possível, se reforçar e crescer. É essa mesma necessidade de adaptação e sobrevivência que leva o PCP à mudança na continuidade que o tem caracterizado. 

O PCP que sai de Almada é diferente na composição da sua direcção. Na cerca de centena e meia de pessoas que compõem o comité central, trinta são estreantes. É claro que são comunistas. É evidente que acreditam no ideário do partido em que militam. Caso contrário, estariam noutro partido ou em nenhum. Mas são novos dirigentes. Aliás, o PCP é o partido que mais tem renovado a sua direcção nos últimos anos. Renovado e rejuvenescido. O comité central tem uma média de idades de 47 anos, fruto até da sangria de quadros da geração anterior, dos que eram jovens adultos no 25 de Abril, que abandonaram o PCP nas décadas de oitenta e de noventa do século XX.

E se ao nível do que são os órgãos executivos do comité central, como a comissão política e o secretariado, neste congresso a composição se manteve e há apenas uma estreia em cada um deles, a verdade é que o PCP é talvez dos partidos que mais têm renovado os dirigentes ao longo dos anos e que mais pessoas novas têm integrado nas direcções. 

As mudanças não se ficam, porém, ao nível das pessoas que ocupam os lugares de poder interno. Elas acontecem também ao nível da proposta política conjuntural que o PCP defende. Ou seja, se não muda o objectivo último de partido comunista revolucionário que acredita na bondade da implantação de uma sociedade sem classes e sem exploração, o pragmatismo do PCP fá-lo adaptar a sua utopia à realidade do país. E aqui a singularidade do PCP diferencia-o do que são os outros partidos, quer os partidos burgueses e liberais, como o PS, o PSD e o CDS, quer do BE, partido que, sendo reformista e já não revolucionário, obedece, tal como o PCP, a uma lógica colectiva e não-personalizada. 

É evidente, até para os mais distraídos, a diferença entre o PCP e o PS, o PSD e o CDS, em mais que não seja na diferença de posição face ao Memorando de Entendimento com a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional que viabiliza os empréstimos financeiros que Portugal recebe desde há um ano. 

 Mas, neste congresso, ficou claro, nos discursos e nos documentos aprovados, a diferença de posição entre o PCP e o BE em relação à União Europeia e à união monetária. E não apenas pela crítica e recusa do federalismo, que o PCP sempre rejeitou e que o BE defende. Em relação à união monetária, é menos perceptível a diferença, mas ela existe. Enquanto o BE tem uma posição oficial – ainda que haja na sua direcção quem pense diferente - que Portugal não deve nem pode sair do euro, o PCP não é afirmativo na defesa da manutenção de Portugal no euro. Mas a posição que saí do congresso de Almada é a de que não haja um abandono inconsequente do euro por Portugal. Foi isso que foi dito no palco do Pavilhão Cidade de Almada e é isso que está nos documentos aprovados. 

Uma posição que mostra como o PCP é um partido pragmático que tempera a convicção e os princípios com a realidade do país. E que é uma evolução em relação à rejeição pura e simples do euro e da União Europeia que o PCP defendeu no passado e que ainda existe em alguns dos seus dirigentes, assim como em partidos comunistas como o KKE, o partido comunista neoestalinista dirigido por Aleka Papariga."
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São José Almeida, jornalista do "Público"

NOTA PÓS-EDIÇÃO: Foram introduzidos sublinhados meus, pois a extensão do texto podia levar (e levou) a conclusões apressadas sobre o conteúdo e sentido do texto.