29 junho, 2014

Geração sentada, conversando na esplanada - 66 (Lula, Dilma, a "Copa do Mundo" e... o resto )

(ler conversa anterior)
«Que os trabalhadores e o povo se perguntem sobre a oportunidade de se construírem estádios em vez de infraestruturas que correspondam às necessidades sociais é legítimo. Mas, nessa contradição própria em que se geram os protestos no Brasil, com justas reivindicações mas também com aproveitamento da direita, há que olhar com profundidade...» 
Bruno Carvalho, citado por mim, aqui

«Mas, não é a Copa, imbecil! É a eleição presidencial. É a perspectiva provável de reeleição da Dilma, ainda mais com a possibilidade de um retorno do Lula em 2018. Isto é o que produz o desespero da direita nacional e dos seus aliados internacionais. Não olhem para o dedo que aponta a lua, olhem para a lua. A questão política central este ano não é a Copa, são as eleições.»

Não me contive e numa atitude intrometida espreitei por cima do ombro dela. Ela quando deu por mim parecia que me esperava, esboçou um tímido sorriso e disse o que era escusado, pois eu estava a ver o que lhe tomava a atenção: "estou a reler este seu post", "estou a ver" disse, mas aproveitei para eu próprio relembrar um texto linkado. Ia lendo, e ela também. "Não se importa agora de abrir este outro link?" Ela abriu, eu fui lendo e, a dada altura li de alto: "O Brasil orgulha-se de se associar a Cuba neste que é primeiro porto terminal de containeres do Caribe com capacidade de se integrar à cadeia logística interoceânica", afirmou a presidente." A Gaby ficou por momentos silenciosa e depois perguntou-me se eu ia mesmo escrever e aprofundar a realidade brasileira, respondi-lhe que sim e acrescentei:
"A série de posts vão ter o mesmo título, e começo hoje com este vídeo, quer ver?" e peguei-lhe no iPad para o encontrar e mostrar:


28 junho, 2014

27 junho, 2014

Redacções do Rogérito 20 - "Não há vizinhas melhores que as minhas"

Tema da redacção: "As minhas vizinhas"

Não há no mundo vizinhas como as minhas mas a que eu gosto mais é mesmo da dona Esmeralda embora não desgoste nada da outra que mora no quarto andar porque a dona Esmeralda quando fala a outra sabe escutar e sempre que elas falam até me fazem pensar que é uma coisa necessária e estava a cair em desuso assim como está a cair em desuso as pessoas fazerem as coisas de acordo com aquilo que pensam porque como já disse pensar é cada vez mais uma chatice. 
Mas a parte da conversa que mais interessa é sobre a senhora Lagarde que veio por aí “à Lagardère” a sacar a sacar a sacar e a mandar a malta trabalhar e que agora a tal Lagarde vem dizer tão tarde o que um tal partido vem dizendo há tanto tempo que nem dessa data me lembro e fico chateado com isso mas para que esta redacção tenha um fim feliz estou contente porque nem a senhora Lagarde nem a Luís são minhas vizinhas porque se fossem teria de mudar de bairro e se por tanto azar as tivesse que ouvir falar teria até que emigrar. 
 Rogérito

Cristhine Lagarde segundo a redacção do Rogérito 
quando lhe falaram em reestruturação da dívida
terá respondido com um gesto pouco bonito
(foto retirada daqui)

26 junho, 2014

A dona Esmeralda e a vizinha do 4º andar, a conversar - (21)


Vizinha do 4º andar (desolada) - Dona Esmeralda, que Mundial!... estou tão triste, esperava... que Portugal... 
Dona Esmeralda (resignada) - Ora... jogar é perder e ganhar!
Vizinha do 4º andar (sem a escutar) - E agora? 
Dona Esmeralda (enfadada) - E agora, vizinha, tem tempo de pensar na vidinha!
Rogérito (interrompendo, nesse preciso momento) - Temos o box, espero que goste!

24 junho, 2014

Descansem, está tudo bem arrumado... é que já nem me mexer podia!

O que se vê por fora mete-se pelos olhos dentro. O que está dentro nem tanto, e só damos conta da desarrumação quando a coisa emperra, a informação não circula, temos dificuldade em navegar e percebemos que existe quem desista  de chegar até nós. Até que se deu um apagão e os posts dos amigos deixaram de aparecer. Teve de ser. Teve de ser este meter ordem no computador, guardar selos e prémios, apagar videos... 

A página ficou limitada ao necessário para o trabalho diário e ao constante alerta sobre uma investigação que, de alguma forma, explica esta corrida para um abismo que muitos teimam em para ele correr, sem o ver.


23 junho, 2014

Um mamelão é algo que não chega a ser um monte, embora faça parte da serra...

... de tarde, era suave o odor da terra molhada - imagem tirada da net

Montejunto é uma serra bela. Do lado sul, indo por Alenquer, situa-se uma pequena e velha aldeia, Atouguia, que além do casario, possui uma pequena igreja e um rio. Ontem, lá numa casa de cara lavada, reuni com amigos. Quatro mulheres, uma, a minha, outra viúva e as outras duas mulheres de amigos que lá estavam sendo um o dono da casa. Elas matavam a ausência de encontros, pondo as memórias em dia sobre os tempos em que o trabalho as unia. Nós, em separado, íamos conversando sobre de tudo um pouco, fazendo das palavras cerejas, e os temas iam sendo salteados: o tempo e como o ocupávamos; o futebol, as incidências e os vaticínios cinzentos (que à noite se confirmariam); a política. Tudo à volta de um farto churrasco, que dali a pouco seria um bom repasto. Registo isto, como se regista num diário um dia bem passado e algumas coisas ditas com segundos sentidos:
  • uma estirada literária que fez com que o dono da casa julgasse estar citando um texto camiliano, "nunca perguntes às águas de uma enchente quais as que vieram da nascente";
  • "um mamelão é algo que não chega a ser um monte, embora faça parte da serra";
  • "de quem recua uma e depois outra vez, ninguém pode afirmar que a capacidade de decisão lhe seja um indiscutível atributo".

22 junho, 2014

Até o mundo acordar!

imagem da net
Até o mundo acordar
Não apontem excessos
para a ausência
pese embora a aparência

Amanhã irá voltar
a beber a vida
trago a trago
até cair para o lado

ou, sei lá
até o mundo acordar
Eu

21 junho, 2014

Sábado... Foi assim, a semana que hoje finda (14)


Não tinha Saramago que estar preocupado, eram os minutos iniciais de uma manifestação com a determinação conhecida por parte de quem sabe que nada que não deve durar durará sempre. E o desfile foi aquilo que se viu, dali até até ao Rossio (ah, como me é gostosa esta minha rima...)

A semana teve muito que se assinale: desde o tal banco a ficar manco até outras desavenças, contradições e manipulações. E a correlação de forças, inevitavelmente, vai mudando, embora imperceptivelmente, por enquanto. Do que sublinho e registo, vou buscar palavras de quem, normalmente, não está comigo:
«... o respeito pela legalidade, pelo formalismo e pelo institucionalismo de Estado é uma questão de honra no PCP – e de sobrevivência até, já que ao mesmo tempo protege-se de ser institucionalmente desrespeitado ou posto em causa como partido do sistema. Foi assim desde a legalização do PCP após o 25 de Abril e é esse formalismo e e institucionalismo que nunca permitiu que fosse sequer aflorada a possibilidade de questionar a sua legitimidade dentro do sistema democrático.
... o PCP fez na segunda-feira o que tinha de fazer. Agiu em consonância com os seus compromissos perante os seus apoiantes e no respeito estrito do formalismo institucional do sistema político português. Foi ao Palácio de Belém, dirigindo-se ao mais alto órgão de soberania da hierarquia do Estado, o Presidente da República, para transmitir aquilo em que se especializou e com que o seu eleitorado se identifica, a saber, que este Governo e esta política não servem.Assim, cumpriu a sua missão política no presente e marcou o território para o futuro.»
São José Almeida, in Público

«... dando outra vez nomes aos bois (salvo seja...): António Costa pode encher dez Tivolis, e ter cem vezes mais jeito e melhores características para ser secretário-geral do PS, mas isso não chega. Manterá o seu partido encostado à direita, e alinhará fatalmente com esta, se apenas propuser acções de maquilhagem para o Tratado Orçamental. E os que esperam dele a libertação deste governo austeritário sairão uma vez mais frustrados.»
Joana Lopes, in "Entre as brumas da memória"

20 junho, 2014

Jaime Gralheiro (1930-2014) - in memoriam

Há homens que trazem no rosto tudo o que eu gosto,
e,  num sorriso, tudo o que é preciso.
Há homens com a alma estampada na cara.
Partiu? Nem pensem!
(ler manifestação de pesar da SPA

19 junho, 2014

Chico para mim foi "senha", foi "Jangada de Pedra" e hoje é bandeira! Parabéns, Senhor!


Chico, para mim foi "senha". Quem leu meu livro não estranha.
«...Ia de não sei onde para lado nenhum, fardado com a farda do Exército português, com a boina de cavalaria a ocupar-me as mãos. Passeava apenas, adiando o sono. Atravessei um denso jardim e, ao longe, oiço o dedilhar de uma guitarra em acordes indecisos. Fui andando nesse sentido. À medida que avançava a melodia se ia construindo e o som ganhava nitidez. Mesmo antes de a voz aparecer, reconheci a composição de Chico Buarque.
Depois a voz deu-me a canção que quase sempre trazia no coração e que frequentemente me vinha à mente em dias em que acordava com canções dentro de mim.
Aproximei-me sem qualquer cuidado em reservar sinais da minha presença e fiquei surpreso à paragem brusca do cantar. Reagi retomando o verso interrompido: «Esperando, esperando, esperando, esperando o sol, esperando o trem, esperando aumento desde o ano passado para o mês que vem…» Sorri para o grupo. O que cantava, mulato muito claro estendeu-me a mão sorridente e julgo que aliviado. Os outros dois, um negro, o outro branco, acolheram-me assim também dessa maneira. Não falámos e o mulato claro retomou a canção até todas as vozes que ali estavam se juntarem num coro com o sotaque devido...»*

Desse livro, continuando a ler a mesma página, estava ali, naquele encontro, a tal "Jangada", o sonho da bacia cultural atlântica a realizar-se mesmo antes de Saramago a ter escrito:
«...O resto foram mais canções e prolongada cavaqueira sobre a cultura brasileira, a negritude, a miscigenação, a guerra colonial, a escravidão, a alma deles e a minha. Falámos da minha alma lusa, do meu coração celta e do meu sangue mouro. Foi nessa noite, onde as canções romperam as couraças que protegem o pensamento perseguido e a filosofia proscrita, que se geraram laços de amizade e cumplicidade que me iriam abrir a porta a outras relações, entrando na intimidade da cidade.»*
*páginas 156/157, de "Almas Que Não Foram Fardadas" e a cidade referida é Huambo, naquela data ainda Nova Lisboa

E falando em bandeira, não desligo a canção, de então, desta...

Veremos se Saramago tem ou não razão

4 anos depois de ter desaparecido, ninguém pode dizer que não continua vivo.
Ele e quem ele reclama que não terá morrido... 
"Marx nunca teve tanta razão quanto agora. O trabalho constrói, e a privação dele é uma espécie de trauma. Vamos ver o que acontece agora com os milhões de pessoas que vão ficar sem emprego. A chamada classe média acabou. Ou melhor: está em processo de desagregação. Falava-se em dois anos [para a recuperação da economia depois da crise financeira]; agora já se fala em três. Veremos se Marx tem ou não razão."

17 junho, 2014

Poesia (uma por dia) - 64

SONETO A TODAS AS MARIAS SEM CAMISA 
Às mulheres que lutam
A todas as poetas(isas)

… e quando, um dia, o mar vier beijar
A luz desse luar que te ilumina
E te afundar, depois, na areia fina
Das praias desenhadas, só de olhar,
 .
Verás que não foi vão quanto cantar
Ecoa no que tu,  de pequenina,
Entoas ao dobrar de cada esquina
Das ruas que quiseste visitar…
.
Assim saibas, em ti, salvaguardar
O estranho encantamento da menina
E, ultrapassando a mágoa que te mina,
 .
Possas seguir em frente e não vergar,
Mantendo-te intocada e feminina,
No sopro original que assim te anima…


Pintura/tela "Rapariga" - José de Brito e Poema de Maria João de Brito Sousa

16 junho, 2014

Digo e repito o meu tradicional dito: O futebol é a coisa mais importante de entre as coisas pouco importantes com que nos devemos preocupar!


Eu, Mouro (melhor que o Mourinho) lá fui explicando. À pergunta "e agora?" a resposta não se fez esperar: "O avô vai enviar esta lição à selecção".
A aula acabou com a máxima que sempre me assiste.

É de azul o dia


é de azul o dia, e deixa-me preparar o voo
em completa liberdade e
uma vez mais acompanhar os pássaros rebeldes como eu
Piedade Araújo Sol 

Quando se tiver a sensação que voamos sós
refreie esse pensar
há sempre alguém, que como nós
estará aprendendo a voar
Os pássaros rebeldes voam em bando
a caminho de um dia claro
Rogério Pereira 

15 junho, 2014

Geração sentada, conversando na esplanada - 65 (Ganha o António Costa, vai uma aposta?)

"O último erro que os socialistas cometeram, e espero que seja mesmo o último, foi o Tratado Orçamental, porque ele veio consagrar duradouramente um desequilíbrio assimétrico no funcionamento e na gestão da nossa moeda".
António Costa, aqui
"...provavelmente na altura em que aprovámos o Tratado Orçamental não havia outra solução senão aprovar o Tratado Orçamental."
Idem, aqui
"Um país nunca se deve comprometer com coisas que não pode cumprir. Segundo o Tratado (Orçamental), vamos ter que fazer uma parceria (...) com a Comissão Europeia para ela nos impor um conjunto de políticas económicas durante 20 anos."
João Ferreira do Amaral, aqui


Quando ele chegou já eu lá estava, mas não na esplanada. Por estar cheia, sentara-me num dos últimos degraus da escada que lhe dá acesso, à sombra e não desagradado do lugar, pois ali corria uma brisa fresca. Ele, quando me viu, sorriu e fez o mesmo, a custo, pois uma daquelas dores que incomodam os velhos não facilitou o dobrar-se e quase entornava a chávena de café ao sentar-se em lugar tão baixo. Já recomposto, e depois do habitual cumprimento e de falarmos do tempo, lançou-me: 
- "Sei que não quer comentar a guerrilha que anda lá para o lado do PS, mas o que é que lhe parece?"
- "Me parece... o quê?"
- "O Costa é de facto aquele de que muita gente gosta!"
Encolhi os ombros, mas lá fui dizendo, contrariando a jura de não falar no tema:
- "Que venha o diabo e escolha! Sabe que ele foi ministro disto e daquilo e ninguém se lembra de um só empenho que lhe possa ser atribuído e que ele se possa gabar?"
- "Mas sabe o seu partido!"
- "Podemos lá nós esquecermo-nos disso..."
E mudámos de assunto, depois de rejeitar uma "cena" em que ele queria apostar...

14 junho, 2014

Lula, Dilma, a "Copa do Mundo" e... o resto


Lula e Dilma - Eles estiveram nesta sexta-feira (13), em Recife (PE), numa iniciativa do PT e do PTB. Os discursos de um e do outro mereceram o título da noticia: «Fizemos em 11 anos o que eles levaram 100 - “Eles pensam que o povo não tem memória”». Entretanto o PT editava um vídeo, que a seguir eu edito


Dir-se-á que é propaganda, e é. Mas é também uma afirmação de um compromisso...e uma afirmação que não agrada aos mesmos que não aceitam que o Brasil tivesse avançado com investimentos estratégicos em Cuba e feito abrir as portas do Mercosul à Venezuela e mantê-las abertas a Poiáres Maduro...

a Copa do Mundo - Num excelente post, "Gostar de futebol não é alienação", Bruno Carvalho escreve a dada altura: «...a decisão do governo brasileiro de levar a cabo a organização do Campeonato do Mundo de Futebol é obviamente questionável. Que os trabalhadores e o povo se perguntem sobre a oportunidade de se construírem estádios em vez de infraestruturas que correspondam às necessidades sociais é legítimo. Mas, nessa contradição própria em que se geram os protestos no Brasil, com justas reivindicações mas também com aproveitamento da direita, há que olhar com profundidade...»  

e o resto -  O resto é para seguir atentamente. É que, se é verdade que o imperialismo perde terreno na Síria, na Ucrânia e na Venezuela, não quererá perder também terreno no Brasil. E os justos protestos do povo brasileiro poderão ter um aproveitamento desmedido. Mas o povo tem memória... memória e discernimento, penso.

(sobre o tema, recomendo que leiam mais aqui, o BURGOS (Cãogrino))

13 junho, 2014

Nenhum dos Antónios lhes vale, acho que para eles é até igual...


Em dia de Santo António é discutível a oportunidade, entre quadras e sardinhas assadas, vir com temas pesados e dramáticos. Mas porque não me parece que as 160 famílias atingidas não mereçam palavras solidárias em vez de sardinhas festas e quadras, não resisto ao tema. Quem mais se solidarizou? Os mesmos de sempre (no protesto estiveram jornalistas de outros órgãos de informação e ainda representantes do PCP e do Bloco de Esquerda). De quem não se ouve uma palavra? Dos outros, aqueles mesmos de sempre! Acho até que quem se cala, não só consente, como apoia. Apoia pois que ver as redacções reduzidas aos textos pré-elaborados dos spin-doctors* é algo que satisfaz ao tal chamado arco do poder. É que além destes, os respectivos partidos terão assegurados os espaços aos seus colunistas e opinadores, que a título gratuito, continuarão a inundar as páginas dos jornais...
"... somos fundamentais para a democracia. Mas poderemos sê-lo, com o que isso implica de independência, de segurança, de intrepidez e resistência, se formos tratados, nós que somos supostos averiguar sobre tudo, investigar sobre tudo, ter uma perspectiva sobre tudo, uma narrativa sobre tudo, afrontar tudo e todos, como se não tivéssemos capacidade de perceber o que nos acontece e porquê, riscar uma palavra sequer sobre isso?
E, o que é mais, se nos deixarmos assim tratar. Será assim tão impossivelmente heróico cumprir os nossos deveres e exigir os nossos direitos? Com que cara pediremos amanhã a alguém que dê a cara no nosso jornal, se não damos a cara por ele, pelo jornalismo, por nós? Com que cara continuaremos como se nada se tivesse passado, à espera de cair de vez?"

Percebo Fernanda Câncio, pena que ela não me perceba.

12 junho, 2014

Neste Santo António, leve um meu manjerico. Eu com as quadras fico... e se não deixar nada...

Tem histórico esta minha janela e os manjericos que coloquei nela. A inspiração é datada, vem da minha infância. Depois ficou adormecida, até ressuscitar pelo poeta maior, Pessoa: "A quadra é um vaso de flores que o Povo põe à janela da sua alma..." e em 2011, em 2012 e no ano passado, foi como o registo. Eu, Sólon, cito Clístenes, numa desgarrada* então deixada:  
disse...
Procurei desgarradas
Cantares de encantar
Só encontrei cantigas maradas
O povo perdeu seu cantar

O povo perdeu seu cantar
O povo perdeu o piu
Fartei-me de procurar
Cantigas ao desafio

Cantigas ao desafio
Com a alma posta à janela
Desgarrada, alguém a viu?
Alma do povo, que é dela?

Vale quem aqui deixou
Quadras bem rimadas
Quem versos bem rimou
Sabe o peso das palavras

Sabe o peso das palavras
Sabe bem o sabor delas
Quadras bem rimadas
Postas nas nossas janelas

Postas nas nossas janelas
Como um regado manjerico
Boa noite meus senhores
Está na hora do namorico
E por aqui me fico

11 junho, 2014

Discurso proferido no “Liceu” da Guarda, durante as comemorações do “Dia de Camões e das Comunidades Portuguesas”, no dia 10 de junho de 1977 — o primeiro depois da “Revolução dos Cravos”. Além de Jorge de Sena, foi orador Vergílio Ferreira, na presença do Presidente Ramalho Eanes, de altas autoridades e de enorme plateia. - 2

Vergílio Ferreira - 10 de Junho de 1977
"Decerto que não é o mando que está no nosso horizonte - e ainda bem; mas não deve estar também a submissão. E se tal submissão é evidente, quando ao nosso destino o detêm mãos alheias, é já menos evidente quando se obscurece a consciência de que o temos, o devemos ter, nas nossas mãos. Porque o não perdemos apenas quando de facto o perdemos, mas ainda quando nos perdemos dele e nele deixamos de nos reencontrar. Não deixa de ser nosso apenas quando ele é já de outrem, mas ainda quando não o reconhecemos para o assumir e continuar. Porque esquecermo-nos de nós é correr o risco de que outros nos encontrem ...  (...) O  mínimo que de nós podemos exigir é assim a sensatez. Parecerá um pouco excessivo, talvez, misturar o nome puro do grande poeta [Camões] à perturbação por que passamos. Porque ela desenvolve-se não apenas ou não bem numa dimensão de idealidade ou de grandeza, mas numa esfera do elementar. É mesmo grave, decerto, ou um pouco despropositado que, esquecidos do elementar, pensemos apenas no que o transcende, que, esquecidos do mais urgente, nos fixemos no que o excede, ainda que a isso julguemos mais importante. É grave assim que a um problema imediatamente económico, nós sobreponhamos um problema de ideologia. Determinados por esquemas ideológicos, enquistados nos termos de uma doutrinação, valorizando acima de tudo a nossa paixão política, ou seja a paixão de nós - porque a política, ou certa política, contra o que possa parecer, é uma paixão solitária - nós recusamo-nos muitas vezes, ou quase sempre, a pensar no que lhe subjaz, nós recusamo-nos a considerar o que a excede, nós recusamo-nos sobretudo a admitir o seu erro, ainda que a realidade a desminta. Como os medievos em face de Aristóteles, se os factos põem em causa a nossa doutrina, tudo podemos admitir, excepto que esteja errada. Porque o que está em causa somos nós. E nós, obviamente, somos exactos como um axioma ..." (15-16)

Vergílio Ferreira "Da Ausência, Camões

10 junho, 2014

Discurso proferido no “Liceu” da Guarda, durante as comemorações do “Dia de Camões e das Comunidades Portuguesas”, no dia 10 de junho de 1977 — o primeiro depois da “Revolução dos Cravos”. Além de Jorge de Sena, foi orador Vergílio Ferreira, na presença do Presidente Ramalho Eanes, de altas autoridades e de enorme plateia.

Jorge de Sena - 10 de Junho de 1977
"...Com efeito, em 1978, cumprem-se trinta anos sobre a primeira vez que, de público me ocupei de Camões, iniciando o que, sem vaidade me permito dizê-lo, tem sido uma contínua campanha para dar a Portugal um Camões autêntico e inteiramente diferente do que tinham feito dele: um Camões profundo, um Camões dramático e dividido, um Camões subversivo e revolucionário, em tudo um homem do nosso tempo, que poderia juntar-se ao espírito da Revolução de Abril de 1974, e ao mesmo tempo sofrer em si mesmo as angústias e as dúvidas do homem moderno que não obedece a nada nem a ninguém senão à sua própria consciência. Esse meu Camões foi longamente o riso dos eruditos e dos doutos, de qualquer cor ou feitio; foi a indignação do nacionalismo fascista, dentro e fora das universidades, dentro e fora de Portugal; foi a aflição inquieta do catolicismo estreito e tradicional, dentro e fora de Portugal; e foi a desconfiança suspeitosa de muita gente de esquerda, a quem eu oferecia um Camões que deveria ser o deles, quando eles preferiam atacar ou desculpar o Camões dos outros. Foi e ainda é, e será. Porque, sendo Camões o maior escritor da nossa língua que é uma das seis grandes línguas do mundo e um dos maiores poetas que esse mundo alguma vez produziu (ainda que esse mundo, na sua maioria, mesmo no Ocidente, o não saiba), ele é uma pedra de toque para portugueses, e porque tentar vê-lo como ele foi e não como as pessoas quiserem ou querem que ele seja, é um escândalo. São essa pedra de toque e esse escândalo o que, neste momento solene, a três anos de distância do 4o. Centenário da morte do maior português de todos os tempos, vos trago aqui, certo e seguro de que ele mesmo assim o desejaria. E, antes de mais, peço que, nas minhas palavras anteriores ou nas minhas palavras seguintes, ninguém veja ataques ou referências pessoais que não há; tenhamos todos, tenham todos a humildade de reconhecer que, quando se fala de Camões e de Portugal, não podemos pensar em mais ninguém..."

(continuar a ler o discurso de Jorge de Sena)
_________________  

Agradecimento: Agradeço a Fernando Paulouro Neves a descoberta desta pérola

AMANHÃ EDITAREI EXTRATO DO DISCURSO DE VIRGÍLIO FERREIRA

A data, teve nas comemorações o seu ponto alto, exactamente a 1056 metros. Ficam os registos de amigos...


Eu Sólon, por motivos que se adivinham, não fui convidado. Se fosse, seria insultado. Não pelo povo, mas pela sala apinhada. Começaria, num discurso que não chegou a ser escrito, por assinalar que a bandeira continua ao contrário, que chamar à data "Dia de Portugal" só pode ser ironia e, lembraria, que as minhas medidas, hoje esquecidas, foram sempre as ajustadas. Naquela sala, sairiam vaias e não palmas, no sentido inverso ao acontecido fora.

Mas a mostrar que não estou só, eis o que dizem alguns dos meus amigos:

> Perguntar não ofende - Tétisq em Quadro Preto Riscado a Giz - Uma 'reação vagal' ocorre quando somos demasiado vagos? ps : Cavaco teve "uma reação vagal" 

> O Dia de Portugal, ou de como de um grande poeta, Camões, se chega a uma vergonha nacional - A Engenheira em The Braganza Mothers

> Dia de Portugal : Mudam-se os tempos,mudam-se as vontades as-nunes em DISPERSAMENTE...

> O PAÍS PERICLITANTE Fernando Paulouro Neves em NOTÍCIAS DO BLOQUEIO

> Nenhuma confusão vítor dias em o tempo das cerejas 2 - Votos sinceros de restabelecimento do PR, é a política do governo que queremos ver levada de charola 

> Curto foi o fanico Joana Lopes em Entre as brumas da memória - ... mas podia ter ficado para a História. .

> Marx E Cristo Também Já Estiveram Bem Melhor Paulo Guinote em A Educação do meu Umbigo

> Depois do ataque, Cavaco Silva continuou a "discursar" na Guarda, mas há décadas que tem ataques, e os discursos são tão fracos que últimos levaram o país à Bancarrota Missa Negra em The Braganza Mothers

> Do fanico de Cavaco ao hemorroidal de Coelho Carlos Barbosa de Oliveira em cronicasdorochedo

> CAVACO DESFALECEU NO PALCO O Puma em O Puma - No Teatro municipal da Guarda, uma indisposição vagal de Cavaco, um copo de água e o regresso ao discurso de palha, foi o suficiente para calarem uma manifestação contra o desgoverno. À pessoa desejo as melhoras. O presidente é irrecuperável. *

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> DIA DE PORTUGAL  em são - (Portugal: Manifestação em Lisboa contra a austeridade apoiada pela coligação PSD/CDS - Cavaco - Troika ,2-3-2013)

> Do ilusionismo que não houve jrd em bons tempos hein?! - Quando vi o mágico Luis de Matos virar-se para trás e saudar os presentes, ainda tive esperança de que fizesse desaparecer o Coelho. 

> As condecorações Observador em Reflexos - Foram 37 as condecorações que o Presidente da República entregou neste 10 de Junho.

> Sem título JUVENAL em Olhar à esquerda, A Minha Querida Pátria* a pátria os camões os aviões e os gagos-coutinhos coitadinhos a pátria e os mesmos aldrabões recém-chegados à democracia social

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O OUTRO DEZ DE JUNHO Fernando Paulouro Neves em NOTÍCIAS DO BLOQUEIO

 

08 junho, 2014

Geração sentada, conversando na esplanada - 64 (do que só o Negócios fala, mas à boca calada))

O velho engenheiro nem me deixou sentar. Colocou o jornal em cima da mesa e ia dizendo não perceber porque o jornal tinha fechado o texto à leitura on-line. Na esplanada era rara a gente calada, por isso começou a ler de alto, e depois mais alto ainda, até que toda a esplanada se calou para o ouvir. A meio, palmas e tudo...
ALGUMAS DAS COISAS LIDAS, de entre as mais aplaudidas
(o texto integral passou para outro lugar)
...
- As vozes que mais recorrentemente se ouvem, que são a favor e confiam no projecto europeu, apontam o modo como ele foi erguido, nomeadamente o euro. A sua voz é mais radical.
- O euro foi muito mal concebido, isso é consensual. Mas vou para além disso. O euro é um projecto que exige a existência de um Estado europeu. O euro não pode ser um factor de criação de um Estado europeu (como se pretendeu). Quanto muito, se houvesse um Estado europeu, então poder-se-ia ter criado o euro.
...
- Os resultados eleitorais recentes, que levam cerca de 120 deputados de extrema-direita e eurocépticos ao Parlamento Europeu, são expressão disso?
- A Europa está fraquíssima, em decadência clara, quer do ponto de vista económico, quer social, quer até político. Mas isso não é surpresa. Rompeu-se aqui um equilíbrio que assegurava a grande originalidade do processo de integração europeia.
- Então, futurologia. Daqui a dez, 20 anos, como é que imagina que vamos olhar para estas eleições que expuseram a fragilidade da Europa?
- Não vou fazer futurologia. mas vou dizer quais são os meus receios. Dificilmente a Europa se manterá. A degradação já é tal que é muito difícil a Europa voltar a beneficiar do ambiente de estabilidade. Se não garante a estabilidade, desagrega-se. Esse cenário é cada vez mais provável.
...
- Indo mais ao coração dos seus livros, e dizendo numa formulação provocadora: aquilo não nos atira para um "orgulhosamente sós"?
- Não vejo porquê. As pessoas confundem autonomia com "orgulhosamente sós". E muito português pensar que precisamos sempre de um paizinho, e que se não temos um paizinho ou uma mãezinha estamos sós. Podemos exercer a nossa autonomia, de país que já tem longos séculos de autonomia, cooperando com outros países na gestão de interesses comuns. Por isso fui e sou a favor da participação de Portugal na União Europeia.
Se não fazer parte da União Europeia fosse estar "orgulhosamente sós", haveria 165 países no mundo "orgulhosamente sós". Isso é um disparate federalista.
- Um disparate federalista?
- O federalismo e uma teoria perigosa na Europa porque se apoia num mito (o da solidariedade). Tentar forçar uma realidade que não existe é do pior que se pode fazer em política.
...
- Se exceptuarmos o Governo, não vejo ninguém de garrafa de champanhe na mão a celebrar a famosa saída limpa da troika.
- Não vai alterar nada de fundamental [a saída formal]. Vamos ficar sujeitos às regras do Tratado Orçamental, que não podemos cumprir.
- Não podemos cumprir?
- Não temos margem para cumprir. O que nos é exigido é impossível de cumprir. Reduzirmos o déficit a quase zero, até é possível, desde que não seja amanhã. Mas reduzir a dívida pública para 60% do PIB em 20 anos é inexequível. Isto põe o país numa situação falsa. Um país nunca se deve comprometer com coisas que não pode cumprir. Segundo o Tratado, vamos ter que fazer uma parceria - gosto do nome [risos] com a Comissão Europeia para ela nos impor um conjunto de políticas económicas durante 20 anos.
- Ou seja, vamos continuar atados.
- Não vamos. Antes disso alguma coisa vai suceder. Ninguém aceita 20 anos de austeridade, que é o que propõe o Tratado Orçamental. Entretanto a Europa ou dá uma grande volta ou desaparece.
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Agradecimento: Agradeço este texto a Jorge Faria, que o editou na sua página do facebook

João Ferreira do Amaral - Estrevista ao jornal "Negócios" (versão integral)

- Olhemos para a Europa como quem olha para uma família. Uma família em que há irmãos bem-sucedidos e outros pobretanas. É desta articulação e a partir deste mapa que podemos compreender a singularidade de Portugal e o momento que o país atravessa?
- A comparação com a família é bastante forçada. A Europa não é uma família de Estados, nem pouco mais ou menos. Na Europa não se vê - e desde o Tratado de Maastricht em 1992 - suficiente autonomia para os irmãos perseguirem aquilo que lhes dá mais êxito em termos de futuro. Numa família, em princípio, os irmãos são autónomos. Uns têm êxito, outros não têm. mas resulta da sua própria liberdade de escolha. Hoje criou-se um sistema de regras que prejudica o futuro de muitos Estados. Esse é o problema dramático da Europa.
- Por que é que não somos uma família? Apesar desta estrutura ser heteróclita, desconjuntada, desafinada neste momento, se olharmos para a História europeia e mundial, existe uma coisa que se chama património identitário europeu. Isso pode dar-nos a ilusão de que somos uma família.
- Diz bem, uma ilusão. Numa família, cada membro considera que a família é algo que muitas vezes se sobrepõe aos interesses individuais. Numa família, as pessoas estão dispostas a sacrificarem-se em benefício da família no seu conjunto. Entre Estados não é assim. Um português não aceita ser sacrificado para a Europa ficar melhor. Como um alemão ou um dinamarquês não aceitam. É um erro grave pensar que existe um grau de solidariedade na Europa. Não existe.
- É por causa da falta da solidariedade, em primeira instância, que não nos considera uma grande família.
- Exacto. O facto de haver proximidade cultural - de que gosto de ser herdeiro - não implica que tenha que haver, do ponto de vista político, esta coneepção de família, esta solução [institucional]. Existem ao mesmo tempo histórias nacionais muito longas, que não podem ser apagadas em benefício de uma entidade mítica - uma Europa que apareceria descida do céu.
- Primeiro grande equívoco: forcar esse sentimento de pertença e identidade comum?
- É um grande equívoco. Isto tem tradução política na tentativa de criar um super-Estado europeu. Que não se consegue criar. É perigoso e pode levar a Europa a becos sem saída.
- Perigoso, becos sem saída... Pode explicar melhor?
- O caso típico é a moeda única. Era fundamentalmente um projecto político para forçar a criação de um super-Estado europeu. É perigosíssimo. Tirou a muitos dos Estados o instrumento fundamenta] para poderem singrar. Criou ao mesmo tempo tensões na Europa, que estamos hoje a sofrer, e que não se apresentam de fácil resolução.
- As vozes que mais recorrentemente se ouvem, que são a favor e confiam no projecto europeu, apontam o modo como ele foi erguido, nomeadamente o euro. A sua voz é mais radical.
- O euro foi muito mal concebido, isso é consensual. Mas vou para além disso. O euro é um projecto que exige a existência de um Estado europeu. O euro não pode ser um factor de criação de um Estado europeu (como se pretendeu). Quanto muito, se houvesse um Estado europeu, então poder-se-ia ter criado o euro.
- Para que um Estado europeu tivesse viabilidade seria preciso, pelo menos, um sistema fiscal comum, uma Constituição europeia, outros cimentos?
- Mas esses cimentos não existem. Nada existe quando os povos não aceitam. A construção europeia foi chumbada em dois referendos. Se tivesse havido mais, em mais teria sido chumbada. A lealdade que os povos têm é ao seu próprio Estado, não é a uma Europa que não sabem o que é. É um absurdo tentar assentar instituições europeias, que mexem em aspectos essenciais da autonomia de um Estado, num vazio.
- Qual é o vazio?
- É a inexistência de um povo europeu e de uma nacionalidade europeia.
- Na sua opinião, tudo está mal, desde o princípio?
- Não. Sou muito admirador do projecto de integração europeia até à moeda única. A partir de Maastricht, tudo foi desaparecendo, até chegar a estes dois últimos remates, o Tratado de Lisboa e o Tratado Orçamental, que criou uma camisa-de-forças impossível para os estados endividados.
- Vamos à Comunidade do Carvão e do Aço e ao Tratado do Biseu. Vamos pensar no que era um projecto eminentemente prático, porque era preciso reconstruir a Europa depois da Segunda Guerra. Porém, havia um ideal que o insuflava.
- Esse ideal, sou a favor dele: é criar condições para a paz na Europa. Essa foi a genialidade dos pais fundadores. Essa paz seria garantida pelo prosseguimento dos interesses comuns da área económica. Daí o carvão e o aço, duas matérias-primas essenciais para a guerra. A seguir, a integração económica. Isso não põe em causa a autonomia de cada Estado. Quando se entra na moeda, está a pôr-se em causa a autonomia de cada Estado.
A moeda é um factor essencial, não só pelo instrumento em si próprio, mas também condiciona as opções orçamentais. E o orçamento e a direcção das finanças públicas é algo que nasceu com a democracia e é fundamental.
- Indo a esta crise, se tivéssemos moeda própria e capacidade de gerir a inflação, seria outra coisa.
- Seria. A nossa economia não estaria desequilibrada como esteve quando sucedeu a crise. Ela tornou-se muito mais grave por esse facto. Ter moeda própria ter-nos-ia evitado um enorme endividamento da economia no seu conjunto - não do Estado -, que existia à data da crise.
- Mas não contámos durante muito tempo com o dinheiro da Europa?
- Contámos. Infelizmente, em Portugal, gostamos muito de contar com o dinheiro dos outros. A nossa estratégia europeia foi quase sempre uma estratégia de maximização dos fundos estruturais. Não tivemos muitos outros objectivos. Uma estratégia dessas está condenada ao fracasso.
- Isso é uma espécie de "same old story". Se olharmos para séculos passados...
- Tivemos o ouro do Brasil. O Brasil era nosso, mas era um recurso exógeno. Tivemos outras épocas em que vivemos à custa do endividamento externo. No liberalismo, as grandes obras públicas levaram a problemas recorrentes de endividamento externo, alguns bastante dramáticos.
A diferença está em que, sem moeda, e como foi o caso, podemos alegremente aumentar o nosso endividamento sem nos apercebermos disso.
- Alegremente. Gosto do seu advérbio.
- Tudo isto era uma festa. O dinheiro era barato, os bancos não tinham dificuldade nenhuma em obter dinheiro nos bancos estrangeiros e depois emprestar internamente. Se tivéssemos moeda própria, rapidamente a nossa moeda se iria desvalorizar e daria sinal de que nos estávamos a endividar demais.
- O seu ponto é que não poderíamos chegar tão longe como chegámos porque havia sinais de alerta.
- Muito antes [do nível de endividamento a que chegámos] teria havido [sinais]. E a desvalorização cambial contribui também para a correcção do problema. Não é meramente anunciar que estamos mal. É, por esse facto, entrar na correcção do problema. A desgraça da Europa é, de facto, a Moeda Única. Não tanto por ser uma moeda europeia mas por ser tendencialmente única. E a desgraça de Portugal foi ter aderido à Moeda Única.
- Entretanto, passaram 20 anos.
- Sim, desde que se começou o caminho. A política que tivemos de seguir a partir de 1902, de preparação para a Moeda Única, já era inadequada para nós.
- Se a preparação começa em 1992, e se identificou Maastricht como um ponto em que as coisas começam irremediavelmente a resvalar, isso não coincide com a imagem dos anos 90 em Portugal. Parecia um tempo de tal modo heróico, de prosperidade, com a Expo 98, que custa a acreditar que o ovo da serpente estava lá a ser germinado.
- [risos] Pois, para mini nunca foi. Olhando com atenção, via-se muito bem o ovo da serpente. O endividamento externo estava a atingir níveis brutais. A partir do ano 2000, até um pouco antes, estávamos com deficit na balança de pagamentos na ordem dos 3% do PIB. E estou convencido que, se não tem havido crise financeira geral, teríamos tido a nossa própria crise financeira. Não por causa do Estado, mas por causa da economia no seu conjunto. Muita gente pensou que a Europa acomodaria sempre este nosso desequilíbrio. Mas isso é contar com a tal solidariedade que não existe.
- Estava a lembrar-me de uma entrevista que Vasco Vieira de Almeida deu ao Negócios, em plena crise, em que dizia: "Ou caímos todos ou não cai nenhum". Falava desse ideal de solidariedade que estava no imaginário colectivo.
- Tenho uma visão um pouco mais céptica. Isso não é tanto pelo ideal de solidariedade. É com medo do efeito dominó. Caía um e os outros seriam arrastados, isso é verdade. Claro que a política foi desenvencilhar-se desse risco. Nem sequer estou a criticar os países com mais possibilidades e mais recursos.
- Não?
- Ponho-me na pele deles. Vamos supor que Portugal estava bem e tinha dinheiro; se aparecesse alguém a pedir-nos auxilio na Eslovénia, qual era a nossa atitude? Se as pessoas tiverem que pagar mais, o entusiasmo reduz-se rapidamente. Não é um problema dos alemães, é um problema de toda a gente.
- Aí depende, de facto, de os considerarmos um irmão. E com isto voltamos à históría inicial. Se é um irmão, estamos dispostos a dar um rim.
- Por isso é que acho que não somos irmãos. Um Estado tem a sua autonomia, deve ter boas relações com os outros, mas o modelo família não dá bom resultado. Se as famílias têm solidariedade, muitas vezes também têm zangas das piores. Os Estados devem ser tratados como Estados. As relações entre Estados devem ser de cooperação, de amizade, mas cada um com a sua autonomia. Quando a UE começa a entrar por domínios por onde não devia entrar, que têm a ver com a autonomia de cada Estado, está o caldo entornado.
- Não engrossa o coro de pessoas que acham que a culpa disto tudo é da Alemanha, da sua memória curta. Que estamos a sentar na pele os efeitos da reunificação, e que esse foi o grande cisma da União Europeia.
- Isso da reunificação é verdade. Alterou as relações de poder na Europa. Encaro a Alemanha como tendo a possibilidade de exercer o poder que exerceu. Se fosse alemão, teria o mesmo tipo de estratégia.
O Presidente Mitterrand, em França, com medo que a Alemanha, após a reunificação, se virasse para Oeste e se desinteressasse da integração europeia, tentou barrar a Alemanha através da criação de uma moeda única. Os alemães disseram que só a aceitavam se fosse feita de acordo com aquilo que queriam.
- Tendo o marco como modelo.
- O Presidente Mitterrand aceitou, e os outros governos, tirando a Sra. Thatcher, que se pôs logo fora, também. Foi um erro fatal. A partir daí, a Alemanha, que com a reunificação se tornou num Estado claramente superior aos outros, começou a dominar a política monetária. Foi ganhando peso, obrigou a Europa a assinar o Tratado de Lisboa e o Tratado Orçamental. A Alemanha exerceu o poder que estava ao seu alcance. Fê-lo de forma legítima, não invadiu com exércitos. De que é que nos podemos queixar? Demos-lhe a oportunidade para isso.
- Leu a entrevista que Philippe Legrain, o ex-assessor de Durão Barroso, deu há semanas ao Público? Dizia que está muito mal contada a história do resgate aos países periféricos. Serviu para salvar bancos alemães.
- Exacto. A primeira coisa que a solidariedade tez foi afastar o efeito dominó reduzindo a exposição dos bancos alemães às dívidas mais problemáticas. Mas mais uma vez, não critico a Alemanha. Defendeu os seus interesses.
Há um erro muito grande nos europeístas extremistas, que é pensar que se pode criar uma Europa forte com Estados fracos. Não pode. A Europa só será forte se os Estados forem fortes, se tiverem autonomia para perseguir os seus interesses. O que é essencial na Europa é que o prosseguimento desses interesses se faça de uma forma equilibrada, que não haja domínio de uns sobre outros.
- Os resultados eleitorais recentes, que levam cerca de 120 deputados de extrema-direita e eurocépticos ao Parlamento Europeu, são expressão disso?
- A Europa está fraquíssima, em decadência clara, quer do ponto de vista económico, quer social, quer até político. Mas isso não é surpresa. Rompeu-se aqui um equilíbrio que assegurava a grande originalidade do processo de integração europeia.
- Então, futurologia. Daqui a dez, 20 anos, como é que imagina que vamos olhar para estas eleições que expuseram a fragilidade da Europa?
- Não vou fazer futurologia. mas vou dizer quais são os meus receios. Dificilmente a Europa se manterá. A degradação já é tal que é muito difícil a Europa voltar a beneficiar do ambiente de estabilidade. Se não garante a estabilidade, desagrega-se. Esse cenário é cada vez mais provável.
Seria muito mau a União Europeia desagregar-se. É diferente da Zona Euro, que é um cancro. Se ela se desagregar de forma controlada, óptimo.
- É possível dissociar os dois movimentos?
- Claro que sim. A Europa pode funcionar perfeitamente sem moeda única. Ou um grupo de países cria uma moeda com um porque acha que vale a pena.
- Ainda vai a tempo? É como com os croquetes; uma vez que é carne picada não volta a ser bife inteiro.
- Tem havido muitos casos em que o croquete voltou a ser bife inteiro. Muitos países tinham uma moeda comum e quando se desagregaram criaram moedas próprias.
- Seria preciso garantir o quê, para isso?
- Um regime de cooperação monetária a nível europeu. Mesmo assim estou bastante pessimista em relação ao futuro da União Europeia. Entrou-se num caminho que dificilmente é reversível. Pode haver factores-surpresa bem-vindos. Imagine que os juízes europeus se sentam à mesa e dizem: "Temos que fazer uma refundação disto porque já não funciona. Vamos retomar o espírito inicial da Comunidade Económica Europeia". Se for assim, talvez haja esperança para a Europa. Da forma como as coisas estão, o cenário da desagregação é bastante plausível.
- A médio prazo?
- Sim. Um espaço que aceita que haja 40 ou 50% de desemprego jovem é um espaço sem futuro. Um espaço que aceita que os países devedores sejam protectorados dos países credores é um espaço sem futuro. A Europa transformou-se na antítese do que era a Europa anterior.
- Como descreveria a Europa anterior?
- Era um espaço de progresso, de cooperação em termos de igualdade, com harmonia entre os interesses comuns cos interesses nacionais. Tudo isso se rompeu. A Europa transformou-se - como digo no meu livro - num império pindérico, que nem sequer é império.
- Temos uma Europa de fancaria?
- Sim [risos]. Esta Europa, se se mantiver assim, já é um mortovivo. É uma Europa de retrocesso, não é uma Europa de progresso. Ou há um grande golpe de rins e se reentra naquilo que foi o melhor da reintegração europeia, ou isto vai ser penoso. E esperemos que não dê origem a violências piores.
- A relação entre a Alemanha e a Rússia, esses dois grandes blocos desde sempre na Europa, é fundamental para orientar as coisas num sentido ou noutro?
- Pode dizer-se isso e o seu contrário, é tudo possível. Essa velha situação de conflito/cooperação (embora na maior parte das vezes tenha sido conflito): não gostava de ver o meu país envolvido nisso.
- Como assim?
- Se a Europa é para ser como tem sido nos últimos anos, impulsionada pelos interesses alemães, e se esses interesses implicam uma atitude de rivalidade em relação à Rússia, preferia que Portugal não estivesse metido nisso. Não temos vantagem nenhuma em meter-mo-nos em velhas contas a ajustar entre várias regiões do globo. Se a atitude entre a Alemanha e a Rússia for de cooperação e de benefício económico, isso só beneficiará a Europa.
- Como vê a actuação da União Europeia em relação à Ucrânia?
- Foi um desastre. Vimos a União Europeia a apoiar publicamente uma insurreição contra um governo legítimo. Podia ser corrupto ou não, o anterior presidente, mas a verdade é que a União Europeia estava a negociar com ele.
- Era uma espécie de bomba a retardador. A Crimeia sempre foi russa, há 50 anos é que foi oferecida de presente à Ucrânia.
- Poder-se-á dizer que foi a negociação que foi preciso fazer para manter as armas de destruição maciça dentro, para evitar que ficassem dispersas por aí, que [foi isso que] obrigou a essa atribuição da Crimeia à Ucrânia. Poder-se-á dizer que tudo isso não estava estável, mas a solução não era apoiar uma insurreição, ainda por cima de grupos muito duvidosos. Foi um erro gravíssimo da União Europeia.
- Indo mais ao coração dos seus livros, e dizendo numa formulação provocadora: aquilo não nos atira para um "orgulhosamente sós"?
- Não vejo porquê. As pessoas confundem autonomia com "orgulhosamente sós". E muito português pensar que precisamos sempre de um paizinho, e que se não temos um paizinho ou uma mãezinha estamos sós. Podemos exercer a nossa autonomia, de país que já tem longos séculos de autonomia, cooperando com outros países na gestão de interesses comuns. Por isso fui e sou a favor da participação de Portugal na União Europeia.
Se não fazer parte da União Europeia fosse estar "orgulhosamente sós", haveria 165 países no mundo "orgulhosamente sós". Isso é um disparate federalista.
- Um disparate federalista?
- O federalismo e uma teoria perigosa na Europa porque se apoia num mito (o da solidariedade). Tentar forçar uma realidade que não existe é do pior que se pode fazer em política.
- Gostei de o ouvir dizer "política". Temos estado a falar de coisas que não são estritamente política. Nos últimos anos, a política tem sido engolida pela economia e pelas finanças. Desapareceu do vocabulário dos líderes europeus.
- Claro. Alguns sabem muito bem o que é a política e exercemna. A Alemanha exerce uma política e tem ideias muito claras sobre os seus objectivos políticos. Depois usa todos os instrumentos que estão ao seu dispor, incluindo os económicos, financeiros e monetários, para isso.
Portugal não é assim porque nunca tivemos uma política decente em relação à Europa. A nossa prioridade foi sempre sacar o mais possível dinheiro comunitário. A enorme leviandade com que cedemos a nossa soberania tornou especialmente antipática, para mim, a classe política nas suas relações com a Europa. A política, neste contexto, não é nada. mas a culpa é nossa, não é da realidade.
- Esse retrato que traça é muito pouco simpático para Portugal.
- Não, não, para as elites políticas portuguesas. Vistas em perspectiva, as nossas relações com a Europa têm sido vergonhosas. Uma subordinação completa. Sempre com dinheiros de fundos estruturais e um bloqueio da discussão interna, impedindo referendos e debates aprofundados. Admite-se que tenhamos cedido a soberania, nos mais diversos domínios, sem uma única consulta popular?
- Especifique quais são os domínios em que cedemos a nossa soberania.
- O domínio monetário foi o primeiro, que é essencial. O domínio orçamental, ficámos bastante reduzidos. O domínio, muito importante, da unanimidade das decisões na União Europeia, que com o Tratado de Lisboa foi reduzido a quase nada. Isto significa que, pelo menos teoricamente, podíamos vetar decisões que agora não podemos. O primado do direito comunitário sobre o direito nacional, inclusive a Constituição.
A democracia representativa existe para os nossos representantes exercerem o poder em nosso nome. Não existe para cederem o poder a outros. Quando é assim, tem que haver referendos.
- Como é que íamos manter a prerrogativa de vetar, de dizer não, se, basicamente, não crescemos desde 1995?
- Não crescemos porque em grande parte cedemos a nossa soberania monetária. Porque adoptámos uma moeda que não estava ajustada à nossa estrutura produtiva. Mas o programa de ajustamento financeiro não seria o que foi se tivéssemos a possibilidade de vetar decisões comunitárias.
- Quando olha para a troika, olha para o FMI, apesar de tudo, como nosso amigo e a Europa como a má da fita?
- O grande engano é que essas duas entidades nos estão a fazer um favor. Não estão. Estão a defender os credores. O que é legítimo para o FMI. Já não é legítimo para a Comissão Europeia. A Comissão Europeia tem como objectivo defender os tratados. É inaceitável que a Comissão Europeia tenha defendido coisas que vão contra os tratados. O FMI é uma entidade que vela pela sustentabilidade financeira mundial e nisso tem que [cuidar] que os devedores paguem aos credores.
- No início deste ano, veio a Portugal uma delegação do Parlamento Europeu fiscalizar a acção da Comissão.
- E fez um relatório bastante crítico, e com justiça. Os tratados dizem que a legislação laborai é da competência de cada Estado. Nunca a Comissão Europeia deveria pressionar para alterar legislações laborais. Esta Comissão Europeia foi um desastre do ponto de vista económico.
- Parêntesis. Se Durão se candidatar à presidência, como tudo indica, pensa que pode ser penalizado pela sua acção enquanto presidente da Comissão?
- Penso que sim. É difícil largar esse lastro. Embora a responsabilidade seja mais do comissário para os Assuntos Económicos, o Olli Rehn, Durão Barroso era o presidente da Comissão. Se o presidente não concorda com o que está a ser feito, tem sempre a possibilidade de se demitir e dizer porque é que se demitiu. Ele não fez isso e ficou ligado a estes programas de austeridade, que foram muito nocivos. Não só para Portugal, para a Europa.
- Se exceptuarmos o Governo, não vejo ninguém de garrafa de champanhe na mão a celebrar a famosa saída limpa da troika.
- Não vai alterar nada de fundamental [a saída formal]. Vamos ficar sujeitos às regras do Tratado Orçamental, que não podemos cumprir.
- Não podemos cumprir?
- Não temos margem para cumprir. O que nos é exigido é impossível de cumprir. Reduzirmos o déficit a quase zero, até é possível, desde que não seja amanhã. Mas reduzir a dívida pública para 60% do PIB em 20 anos é inexequível. Isto põe o país numa situação falsa. Um país nunca se deve comprometer com coisas que não pode cumprir. Segundo o Tratado, vamos ter que fazer uma parceria - gosto do nome [risos] com a Comissão Europeia para ela nos impor um conjunto de políticas económicas durante 20 anos.
- Ou seja, vamos continuar atados.
- Não vamos. Antes disso alguma coisa vai suceder. Ninguém aceita 20 anos de austeridade, que é o que propõe o Tratado Orçamental. Entretanto a Europa ou dá uma grande volta ou desaparece.
- Um cataclismo?
- Não é o mais provável, mas é possível. Se houver uma nova crise financeira mundial, a Europa não tem margem para se ajustar. Não pode subir mais o desemprego, já não pode reduzir mais os rendimentos.
- 2008 pode repetir-se e isso pode desencadear...
- ... É como uma zona sísmica. Sabemos que há sismos, não sabemos é quando nem com que intensidade. O que sabemos é que haverá uma crise financeira, no prazo de cinco, seis, sete anos. Se for com a intensidade da de 2007, ou até um pouco inferior, a Europa não tem capacidade para se ajustar. Todos os cartuchos foram queimados. Países como Portugal, Grécia, Espanha, França, estão já com a sua capacidade de manobra muito restringida.
- Não é nada optimista.
- Por que é que haveria de ser? Quando vejo um projecto que não tem viabilidade, sou pessimista. Não sou o único. Os europeístas dizem o mesmo. Não vejo capacidade a nível europeu para refundar a Europa em bases equilibradas e seguras. Como é que posso estar optimista?
- Esses europeístas não têm títulos como "Porque Devemos Sair do Euro", ou "Em Defesa da Independência Nacional".
- Não têm títulos de nada. não têm solução nenhuma. Têm desejos. Desejos de solidariedade, de acabarem os egoísmos nacionais. Mas isso não é política, é expressão de sentimentos. Políticas é apresentar soluções concretas e realizáveis.
- E como vamos viver até lá? Numa frase do Império Romano, "panis et circenses". O povo, quem vota, precisa de pão e circo.
- Circo, vão tê-lo, isso não falta. Vão precisar de mais pão. E isso a Europa não nos vai dar, nem Portugal dentro dessa Europa. O que vem a seguir não sei, mas antes dos 20 anos haverá acontecimentos.
- Precisamos de sonho, também. De qualquer coisa que dá um sentido, um horizonte futuro. Onde é que nos agarramos?
- É voltar a ter autonomia política, é o sonho. A autonomia política é essencial para o nosso desenvolvimento, não é por qualquer mito serôdio, é porque é a única forma de termos instrumentos para nos desenvolvermos. Senão se remos, na mel hordas hipóteses, abastecedores de mão-de-obra para a Europa.
- Defende a saída do euro...
- As pessoas têm medo do que acontecerá com a saída. Se fosse possível sair sem problemas, uma enorme maioria aceitaria sair.
- Isso seria possível rasgando o papel e dizendo: "Não honramos os nossos compromissos, não pagamos"?
- Possível talvez fosse, não era desejável. A saída deve ser negociada e controlada. Não pagar o que devemos só cm desespero de causa. Mas temos mais capacidade de pagar o que devemos fora do euro do que dentro do euro.
Segunda coisa, que exige o tal consenso dos partidos: o país não aceitar mais cedências de soberania a longo prazo.
Terceira: temos que reconstruir o Estado, começando pela Administração Pública. A Administração Pública tem vindo a ser destruída e a debilitar-se e isso é essencial para que o Estado possa ter autonomia de decisão.
- O que sugere pressupõe uma confiança nos políticos. Estamos, ao contrário, num período de extremo descrédito em relação à classe política.
- Sim, mas se houver políticos com uma agenda deste tipo, ganharão a confiança. O problema dos políticos e que hoje não se distinguem, a não ser nas promessas. Não oiço em Portugal, nos chamados partidos do arco do poder, críticas às instituições comunitárias. Como é que alguém pode ter confiança nesta classe política? As pessoas não são parvas, percebem que políticos assim não têm capacidade nenhuma para que o país tenha vontade própria.
- Seria preciso que saíssem de fora dos aparelhos partidários, das jotas.
- Talvez, mas há gente boa em todos os partidos. Não é preciso esperar que venha um salvador de outros lados quaisquer. Tenho notado isso, ao discutir as minhas teses com algumas pessoas de partidos.
- Essas não aparecem com vozes dissonantes da do partido.
- Não, mas um dia poderão aparecer.
- Então não importa nada esta crise no PS, o resultado das legislativas daqui a um ano, se nada de estrutural mudar.
- Com certeza. Os partidos socialistas estão numa posição muito difícil na Europa. Não é por acaso que grande parte deles está a caminho da irrelevância. Aprovaram um conjunto de coisas que está contra a essência de um partido socialista.
- Como é que sente que os seus livros foram recebidos, sobretudo o "Porque Devemos Sair do Euro"? Inicialmente era uma voz no deserto...
- O livro teve um impacto internacional, apesar de não ter sido traduzido.
- Como?
- Através do Wall Street Journal e de outros órgãos de comunicação social. O ambiente nos média começou a mudar. Hoje já se podem pôr em causa as opções europeias, incluindo a protecção da Zona Euro, sem se ser considerado um anormal.
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Agradecimento: Agradeço este texto a Jorge Faria, que o editou na sua página do facebook