31 maio, 2018

Christine Lagarde, O GÉNIO


Christine Lagarde: “Os que mais sofrerão com uma guerra comercial serão os pobres”. Dar esta estirada numa cimeira do ‘G7 Finance’ é mesmo genial. Claro que o tal grupo (que manda nisto tudo) não se pronunciou ainda sobre outras ameaças que pairam sobre... os ricos. Itália, Espanha e a Alemanha estão em turbulência, confrontando-se com esta e com outras "guerras"

Quando chegar a altura, o "génio" pronunciar-se-á sobre elas. 
O "Maceta" é que a topa!

29 maio, 2018

A Gralha e a Eutanásia


A gralha é uma ave que à primeira vista é simpática. A gralha é antipática quando desata a gralhar ou quando pousa, impávida, num qualquer texto. Vejam só o meu desespero quando ela me pousou num título. Emendei, mas não a tempo da emenda se projectar no espaço virtual, onde ainda a gralha por lá perdura.

Contudo, não terá sido a gralha a afastar comentários ao meu texto sobre a eutanásia. Nem nesse texto, nem em 3 outros posts publicados sobre o tema que, aliás, nem por lá gralhas pousaram. A razão da ausência de comentários é para mim uma novidade, até porque houve cerca de mil espreitadelas... Mil espreitadelas e nem um único comentário!

Mas a questão da eutanásia trouxe outras novidades: a ausência do Governo no debate na Assembleia; o PCP e Os Verdes a votarem em sentido diferente; a direita a votar (coincidente) com o PCP.

Sobre esta última novidade, cometeu o "Diário de Notícias" uma espécie de gralha mais grave que a minha, mas prontamente corrigida.

Quanto ao resultado da votação, também não aplaudi pois foi uma questão que discuti-la só lembrava ao diabo.

28 maio, 2018

"A vida é sempre a perder"?

«E mais que uma onda, mais que uma maré
Tentaram prendê-lo impor-lhe uma fé
Mas, vogando à vontade, rompendo a saudade
Vai quem já nada teme, vai o homem do leme

E uma vontade de rir, nasce do fundo do ser
E uma vontade de ir, correr o mundo e partir
A vida é sempre a perder»

27 maio, 2018

A propósito da liberdade de decidir

imagem tirada daqui
«- o “já não quero viver” 
terá de ser conjugado 
única e exclusivamente na primeira pessoa, 
quando o sofrimento for considerado, 
sob o ponto de vista científico, irreversível. 
(Felizmente, hoje, a medicina já sabe identificar
 tais estados, sem margem de erro.)»

Assim, cumprido o requisito, passará a haver a reclamada liberdade de opção... E essa será a única opção, pois identificado o estado bastará uma endovenosa adquirida na farmácia de serviço, uma declaração do próprio e outras determinadas exigências processuais, sem excluir o acto médico.

Para a alternativa, só 2% dos doentes que precisam é que terão a "liberdade de escolher" os cuidados paliativos. Estes requerem uma estrutura qualificada, exigem pessoal diverso especializado e, na maior parte dos casos, exigem disponibilidade de uma cama hospitalar... e isso é um esforço elevado para o SNS.

É oportuno lembrar que Manuela Ferreira Leite, num assumo de clara referência aos custos, disse como se fosse um desabafo que entendia que os doentes com mais de 70 anos que necessitem de tratamentos de hemodiálise os devem pagar. “Tem sempre direito se pagar”, disse.

Suponho que a falência da função renal é irreversível e se trata com custos na ordem dos 2000 euros por mês e por doente... basta que o paciente "decida" e... pimba.

26 maio, 2018

José Manuel Jara: "Dez razões para rejeitar a eutanásia e o suicídio assistido"

José Manuel Jara, médico psiquiatra, fundador da Associação de Apoio aos doentes depressivos e bipolares, considera que "a chamada morte assistida é um falso direito" e escreve hoje, na "Sábado" sobre as «Dez razões para rejeitar a eutanásia e o suicídio assistido»:
1 – A eutanásia não é uma necessidade social ou assistencial
A concretização de uma lei que permita o Suicídio Assistido (ajudado) ou a Eutanásia (execução da morte a pedido), eufemisticamente englobados pelo termo "morte assistida", não corresponde a uma necessidade social ou assistencial, muito menos médica, e não é em nenhum plano uma prioridade. No nosso país é sem dúvida o desenvolvimento e melhoria dos cuidados paliativos a prioridade assistencial."

2 – A chamada morte assistida é um falso direito
A iniciativa da sua discussão e eventual legalização parte de uma proposição doutrinária de base jurídica, alicerçada num liberalismo que entende defender o direito à morte como um direito "humano". A argumentação é antes de tudo do foro jurídico e não de base médica ou assistencial. A ideologia subjacente tem um fundo niilista e tanatológico dissimulado como libertário."

3 – A Constituição da República Portuguesa consagra o direito à vida como inviolável
A argumentação jurídica para defender a "morte assistida" faz o salto da lei que penaliza esses atos (artigos 153º e 154º do Código Penal), para uma eventual legislação que autoriza precisamente o contrário, mesmo que com algumas restrições. Não seria uma "despenalização da morte assistida" como se pretende na Petição nº 103/XIII, pois a chamada "morte assistida", não existindo, não poderá ser objeto de uma despenalização. Em vez de despenalização seria uma institucionalização. A Constituição da República consagra no artigo 24º o direito à vida como um direito inviolável. Nada consta no texto constitucional de onde se possa inferir com base no direito à autonomia da pessoa de um direito à morte, questão extrema, sensível e melindrosa."
A considerar outra possibilidade, terá de ser alterada a Constituição em sede do direito à vida, com uma alínea restritiva. Pois que se trata, no caso da eutanásia, de instituir uma prática que não é do foro pessoal/ individual, pois a execução da vontade do próprio seria cumprida por um terceiro (heteronomia), segundo um regulamento, por um serviço público. Tornear a Constituição em matéria do máximo relevo, em questões de princípios básicos, seria muito estranho. É tema que exige uma larga maioria deliberativa. Para proceder à atualização da lei para Internamento Compulsivo de Doentes Mentais foi previamente aditada uma alínea ao artigo 27º da Constituição para autorizar a "privação da liberdade", prévia a uma decisão judicial."

4- A história da eutanásia revela perigos
É errado considerar que a questão da eutanásia é historicamente recente, pois tem antecedentes em doutrinas na eugenia do fim do século XIX. Uma obra "clássica" (1922) de um professor de direito penal alemão (Karl Binding) e de um psiquiatra (Alfred Hoche), defende a eutanásia ativa voluntária para pessoas com doenças terminais em grande sofrimento e também a eutanásia involuntária para deficientes e doentes mentais. A prática da eutanásia na Alemanha Nazi inspira-se nessas teorias, visando a eliminação da "Vidas não dignas de ser vividas" (Operação T-4). O impacto destes factos repercute ainda hoje na Alemanha, impedindo qualquer opção pela eutanásia no país.
Para a história da agora chamada "morte assistida" conferida pela aceitação da "autonomia" para uma "morte digna", há que registar os antecedentes de eugenia e de políticas sociais de racionalização demográfica que levaram aos extremos conhecidos, que hoje são menos patentes mas reais. Os desvios das leis do Benelux, com alargamento do perfil das candidaturas, patologias, idades, aí está a comprová-lo. É o efeito de banalização e desdramatização dos procedimentos gerado pela sua legitimação."

5- Muito poucos países legalizaram a eutanásia e o suicídio assistido
A complexidade que coloca a eutanásia mede-se de imediato pelo facto de apesar do sensacionalismo promovido pelos media desde há muitos anos (para casos singulares chocantes), são muitos poucos os países que adotaram leis de eutanásia e de suicídio assistido: Bélgica (Flandres principalmente), Holanda e Luxemburgo (os três únicos na Europa que autorizam a eutanásia e o suicídio assistido); a Suíça, que autoriza o suicídio assistido de maneira privada; cinco estados dos EUA, mas apenas para o suicídio assistido em doença terminal, e o Canadá, que autoriza o suicídio assistido e a eutanásia apenas para doenças terminais, a partir de 2016. Todos os outros países não têm legislação que legalize estes procedimentos."

6- A valorização da eutanásia é contraditória com uma política adequada de cuidados paliativos
A argumentação que sustenta que a "morte assistida" não é contraditória com os cuidados paliativos refuta-se com alguma facilidade. O terreno é o mesmo, o da assistência em situações de doença grave, com sofrimentos, possivelmente fatal em pouco tempo. Na Inglaterra e na França (Lei Leonetti, 2005), a legislação para os cuidados paliativos e a sua prática são o argumento que contraria a institucionalização da "morte assistida". As associações de técnicos e promotores dos cuidados paliativos opõem-se quase sempre à chamada "morte assistida". A simplificação do desfecho fatal (curto-circuito, bypass ao processo de morte natural) pode mediar atitudes tecnocráticas neoliberais para poupar nas despesas sociais e assistenciais geradas pelos cuidados paliativos. E pode gerar em pessoas sugestionáveis uma vontade de acabar com a vida para deixar de ser um fardo, um peso para os outros. A autonomia da pessoa vista à luz da pessoa jurídica (sujeito abstrato, titular de direitos) subtrai as condicionantes contextuais, éticas, sociais, familiares psicológicas, médicas e psiquiátricas, num ser humano em situação de acentuada fragilidade."

7- Há práticas médicas e assistenciais justas para o fim da vida a não confundir com a eutanásia
Há uma confusão propositada entre procedimentos muito diferentes, utilizada por alguns defensores da eutanásia. Uma coisa é executar a morte de um doente a pedido, outra bem diferente é admitir que a medicina já nada pode ajudar, que a sustentação da vida não se deve prolongar, deixando que sobrevenha a morte natural de alguém que já não existe como ser consciente (impropriamente chamada "eutanásia passiva"). Também não se pode comparar a "morte a pedido" ("medicamente assistida") e a verdadeira assistência médica para atenuar o sofrimento, cuja aplicação pode, em alguns casos, como efeito secundário, abreviar o tempo de vida (impropriamente chamada "eutanásia indireta"). O encarniçamento terapêutico, que se designa "distanásia", corresponde a uma prática assistencial errada, artificial e inadequada, contrária aos princípios da medicina e ao interesse da pessoa assistida. Os progressos nas terapêuticas que atenuam e suprimem a dor tornam também a questão da eutanásia muito menos relevante do que em períodos anteriores."

8 – A "morte assistida" é contrária aos princípios da medicina
Sendo um dos pressupostos o de que a "morte assistida" deverá ser praticada como assistência médica, constata-se desde logo a sua colisão no nosso país com a lei deontológica da medicina portuguesa que a tal se opõe formalmente. Com efeito, muito dificilmente se pode incluir a eutanásia e o suicídio assistido como práticas médicas. Há alguns juristas, como a Dra Inês Godinho e o Prof. Dr. José de Faria Costa, que teorizaram sobre a reformulação do "ato médico", tentando forçar a sua "atualização" para consentir a eutanásia. É assaz curioso que sejam juristas penalistas a fazê-lo. Ficaria penalizada a medicina e despenalizada a morte. De facto, considerar que a avaliação médica prévia ao veredito da sentença que permite auxiliar ou executar a morte do paciente se inscreve na medicina é um tour de force em que naufraga a mais sofisticada retórica de algumas sumidades."

9- A saúde mental é também saúde moral
As questões de saúde mental subjacentes nas condutas suicidárias, o cerne subconsciente ou dissimulado de toda esta problemática, terá de ser objeto de cuidadosa análise. Os fatores que levam ao suicídio são complexos e imbrincados, sendo consensual que os fatores psicopatológicos são da maior relevância. Mas a dimensão social e sociocultural é de grande importância. A legalização da eutanásia e do suicídio assistido é uma promoção do suicídio, não se restringe à população-alvo, pode expandir-se como a "arma" legal que propicia o ato ao "cliente" da morte. Não se deve minimizar a sugestão na vida social, o efeito de epidemia comportamental na sociedade mediática que é a nossa. A prevenção, questão da maior relevância na saúde pública e na medicina, não se coaduna com o liberalismo em que o cidadão é considerado uma mónada numa sociedade anómica, em que reina o individualismo sem fronteiras, e se minimiza a solidariedade humana, base para uma civilidade moralmente saudável."

10- A exceção deve manter-se excecional
Casos extremos e excecionais que possam enquadrar-se numa assumida necessidade de suicídio assistido ou de eutanásia não justificam a sua institucionalização. Evita-se a generalização e pode satisfazer-se essa necessidade através de uma jurisprudência tolerante, caso a caso. É matéria complexa que apenas se enuncia.

25 maio, 2018

Eutanasem-no!


Cavaco Silva veio interromper uma discussão séria sobre a eutanásia. Fará pender os hesitantes, pois a sua posição levará a tomar posição contrária. Não pela razão, mas pela raiva. Se assim for, eutanasem-no.

Num texto que recomendo e onde se refere serem poucos os países europeus a legislarem sobre o tema, cita-se o caso da França onde a discussão concluiu pelo reforço dos cuidados paliativos. Entretanto, outras leituras relembram:
«Os cuidados paliativos, cuja Lei 52/2012 considera na sua Base IV que «A afirmação da vida e do valor intrínseco de cada pessoa, considerando a morte como processo natural que não deve ser prolongado através da obstinação terapêutica», inscrevem-se nestas finalidades e devem ser implementados e desenvolvidos no âmbito do serviço público, atribuindo-lhes mais meios para que a vida da pessoa doente no seu findar tenha a qualidade assistencial e o apoio que diminua ou elimine o sofrer físico e psíquico.
Sem fracturas desnecessárias, com o maior respeito por opiniões diferentes, o PCP considera uma prioridade nacional um investimento sério nos cuidados paliativos, providos dos recursos técnicos e humanos necessários ao desempenho da sua missão. A melhoria da qualidade dos cuidados paliativos e da sua acessibilidade é a prioridade que, ao ser assegurada a todos, irá concorrer para reduzir significativamente o número das pessoas que exprimem o desejo de morte executada a pedido por receio do sofrimento no termo da vida.»
Expresso o meu voto, se a lei da eutanásia vier a ser aprovada na generalidade, que em sede de especialidade se cuide do que deve ser salvaguardado, tal como em França.

24 maio, 2018

"Ó malta, aguentem lá o SNS e depois falemos da eutanásia"


“Quando chegar o final da minha vida, quero poder decidir não sofrer mais”, diz uma data de gente com voz veemente.

Para muitos é um um apelo sentido, para outros será bandeira e procura de protagonismo. Penso (quase) o mesmo, mas não foi isso que respondi hoje quando ao almoço a minha-mais-nova me perguntou porque é que o meu partido discorda e não aprova. Respondi-lhe que primeiro seria, porque é mesmo prioritário, responder ao apelo do António Arnout e investir na rede de cuidados continuados, pois é aí que começa a redução do sofrimento.

Sem se darem condições para a redução da dor, as famílias carecidas serão emocionalmente pressionadas para desejarem a morte dos seus idosos. E os riscos disso resultam de ameaças (que não são veladas) para se reduzirem as despesas com o Serviço Nacional de Saúde. Moscovici o disse.

É mais barato proporcionar a morte assistida, do que aumentar a despesa para se proporcionar qualidade de vida. Insiste ela, "mas se são pessoas condenadas, em estado terminal e em desespero..." Respondi-lhe que um estado terminal pode ser protelado. E dei-lhe por exemplo o caso do seu avô (meu pai) que a entrada num programa de hemodiálise lhe prolongou a vida por mais 5 anos, até que um pé diabético lhe antecipou o destino. Quem garante que hoje os cortes já ocorridos em Abril de 2017 não venham voltar a acontecer, onde este tratamento realizado por 12 mil pessoas com doença renal grave ronda os 230 milhões de euros? São 12 mil condenados, será mais económico antecipar-lhes a morte? Certamente!

Apelo às tais 60 personalidades "Ó malta, aguentem lá o SNS e depois falemos da eutanásia!" e já agora, fixemos uma data (ou um momento) para tal conversa. Isto é, quando o acesso a cuidados continuados e paliativos for decente. Dos últimos dados disponíveis,  numa análise por tipo de internamento, identificou-se que o baixo acesso atinge desde 81% da população, no caso dos cuidados paliativos, até 95% no caso dos cuidados de convalescença. 

Enquanto eu vou dar uma olhadela ao "Testamento Vital" deixo-vos com o vídeo...

23 maio, 2018

O último discurso de Júlio, não sei se antes se depois da partida

De certo modo parto, de certo modo fico. 
Parto, porque é essa a lei da morte. Fico, porque determinei ser essa a lei que imprimi para a minha vida. Podem-me continuar a ver em qualquer nesga de espaço, em espaço público, em espaço privado, em espaço lúdico, em espaço partilhado, em espaço do Estado onde também consto, até com a ironia devida. Podem-me ver enquanto lerem. Foram centenas de livros os que ilustrei com meus meus traços, postos em capas, postos nas suas páginas. Pedras? Quando olharem para elas, se não tiverem lá um meu risco, verão lá o um meu sorriso. De toda essa minha obra, peço-lhes que a dignifiquem toda, mas sobretudo a primeira. Não sinto que tenha envelhecido, mas não se pode ser jovem a vida toda. Ah, e não esqueçam a poesia, pois não há Homem, sem poema!
Não procurem este texto em algum lado, ele foi por mim inventado. Ou talvez não. Talvez ele tenha dito tudo, de forma dispersa. Neste caso, ter-me-ei limitado a juntar as palavras...

21 maio, 2018

In memoriam: António Arnaut (1936-2018)

(...) Eu sou o autor da lei que criou o Serviço Nacional de Saúde, mas se a lei tem progenitor, tem sobretudo a mãe. A mãe é que conta e a mãe é a Constituição. Se ela só tivesse o pai há muito tempo que tinha sido revogada e o Serviço Nacional de Saúde destruído. O que lhe tem valido, o que a tem amparado neste percurso acidentado de quase 40 anos é a Constituição da República.(...)
António Arnaut
Não é só a humildade do reconhecimento, saliento a importância dos claros avisos que nos foi deixando. Inclino-me em sua memória, no respeito pelo seu pensamento.

20 maio, 2018

Um conto ao Domingo - XV (A Lobita, 1979 - 1985)

"Rrs, rrrs...", rosnava ela no sentido da porta.
"Quieta, Lobita, se não ficas quieta..." E o aparato justificava que ficasse quieta: tesoura, compressas, algodão, água oxigenada e tintura de iodo pois nesse tempo era o que se usava. Tudo pelo chão e elas, de roda da cadela, com caretas de repulsa e pena tratando da ferida, incisa, já purulenta.
"Rrrs... uhm... farejo e não sinto que haja razão para rosnar... é odor de gente em quem confiar, de homem... sim é homem... vai entrar, o melhor é baixar a cabeça e esperar pelo que aconteça".
A chave deu uma só volta e o homem entrou. A Lobita manteve a cabeça baixa e elas, a Sandra e a amiga dela, apanhadas de surpresa levantaram-se de um salto. "Pai, estás aqui... ainda bem que chegaste... não sabíamos se estávamos a fazer bem... ela foi ferida, certamente por maldade... o que falta por aí é gente cruel... podes ficar descansado pois ela não fica cá... ela... " As palavras saiam, nervosas, de enxurrada como se quisessem evitar ouvir o que menos queriam ouvir. A Lobita mantinha a cabeça baixa e pousada sobre as patas dianteiras que manteve estendidas, mas os olhos tinha-os fixados no homem que entrara. Sentia-se segura, mas de qualquer forma e pelo sim pelo não colocou aquele olhar de submissão cujo resultado já tinha mais de mil vezes testado, com resultado. O homem acocorou-se, silencioso, e pegou em duas compressas, uma em cada mão e inspecionou a ferida. "É profunda, mas nada de iodo. Se já puseram água oxigenada não ponham mais nada. Nem precisa de dreno, vai fechando..." e lá foi explicando como as feridas se comportam... "Pai, sendo assim é melhor ela ficar em casa até se curar..." A Lobita entendeu o que aconteceu, o que foi dito e que o que ia acontecer a iria favorecer, aprendera a ler no rosto dos homens e este tinha a alma estampada na cara.
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A cadela ficara mesmo depois de sarar a ferida. Conhecia as manhas de cativar e de se fazer aceitar. Escolhera a cozinha, para estar. Fazia companhia na sala e não se aventurava aos quartos, a não ser em curtas escapadelas de brincadeiras ou de furtivas ternuras. Sem esforço o fazia. Era uma espécie de voluntário reconhecimento por ter trocado a dureza de "sem abrigo" por aquele teto. De uma coisa não se dispensava, era a primeira a sair e a última a chegar.

Não se pense que regressara à vida de sobrevivência de rua, era a vagabundagem, era esse dia-a-dia de liberdade que não prescindia. A Lobita, de manhã, colocava-se à porta olhando-a fixamente, abanando a cauda. "Fico aqui até que ela se abra!" Quando ninguém a abria, gania, num ganir quase cantado. Depois saia e corria, brincava com uma borboleta (quando havia) e ia que nem uma seta directa ao pavilhão do Liceu onde a Sandra ia ter a sua primeira aula. Entrava e ali ficava sentada mesmo depois da aula ter começado e até querer. Ninguém se lembra como tinha conseguido tal estatuto de assistente, se com o seu olhar submisso se com aquele outro, frio, que tão bem se ajustara ao nome que, um dia, alguém lhe tinha dado.
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"Engenheiro, tem uma chamada na cabine de controlo do trem continuo, acho que é a sua mulher". Ninguém atende chamadas particulares, só em dias em que a fábrica fica parada para a manutenção. Ele apressou o passo e atendeu. A Lobita tinha parido e a mulher explicou, com todo o detalhe, a sucessão dos estertores, as dores quatro vezes contidas, tantas quantas as vidas dadas à vida e durante toda a noite passada. Contou, sem olhar ao custo da chamada, como a Lobita ficara cansada, como carinhosamente "lavava" cada cria e como a cozinha ficara limpa. Contou como só uma mulher sabe contar. Ele despediu-se com um beijo e com um "temos que festejar isso"... 
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Passava da meia-noite quando ela apareceu. A Sandra não saíra da janela, à espera. Quando a viu chegar à praceta, correu a abrir a porta em baixo. A Lobita fez como sempre fazia, com a pata direita empurrou a porta e com o dorso forçou mais um pouco até penetrar o corpo. Subiu o terceiro andar e entrou. Esgueirou-se, com a cauda entre pernas e foi-se enroscar no seu canto, enquanto ouvia o ralhete. A família suspirou mas ninguém se foi deitar sem tomarem uma decisão. Não porque tinha de ser assim, mas porque era a natureza das coisas, dos seres e das pessoas. 
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Chegou o verão e o dia da viagem também. Eram tempos em que as férias se repetiam num só destino: a Areia Branca. A Lobita foi e não voltou. Foi dada com a garantia de ser estimada, de ter a largueza de  um campo com borboletas e outros bichos de fazer reboliços e tinha funções para a quais fora talhada: fazer companhia e guarda. A despedida doeu a alma de todos, mas não conheço uma só vida sem despedida. Para elas era a primeira. Para a Lobita era mais uma, mas o seu pensar quase se fazia ouvir "Ninguém se despediu de mim assim, fico aqui a olhar até os deixar de ver. Fico aqui a olhar, até que regressem." 
Epilogo

Dois anos seguidos, por altura das férias, a família visitou a Lobita. Ela estava sempre onde a tinham deixado da primeira vez, postura inteligente de uma alegria mal contida e nada amuada, nem resignada. Percebemos que estava feliz. Da terceira vez, não esperava, não estava. O dono contou que ela passara a fazer ausências sucessivas, cada vez mais prolongadas que nas quintas vizinhas se queixavam de a criação desaparecer  e que tiveram que a amarrar. A Lobita partira a tentar soltar-se, a ânsia da liberdade sufocara-lhe a vida. Todos choraram a partida e ele, durante muitos anos, sentiu um forte sentimento de culpa que não se dissipou com o tempo ...

18 maio, 2018

A lágrima de Bas Dost

A lágrima de Bas Dost

Era assim o placard do DN às sete da tarde,
muitas horas depois da lágrima de Bas Dost
Tudo continua excessivo,
depois da lágrima de Bas Dost
Tudo já era excessivo
antes da lágrima de Bas Dost

A própria lágrima de Bas Dost
é excessiva para a dor do golpe
a menos que chore
por tudo ser tão excessivo

Talvez Bas Dost chore só por isso

Perguntei a um palestino
o porquê da lágrima
respondeu não lhe parecer
igual à sua,
de dor e raiva

Não parece que a lágrima de Bas Dost
Seja de dor e raiva
Seria excessivo se o fosse
Rogério Pereira



16 maio, 2018

Fossem outras vozes assim, claras, como as de Saramago

«Do ponto de vista dos judeus, Israel não poderá nunca ser submetido a julgamento, uma vez que foi torturado e queimado em Auschwitz. Pergunto-me se esses judeus que morreram nos campos de concentração nazistas, esses que foram perseguidos ao longo da História, esses que foram trucidados nos progrons, esses que apodreceram nos guetos, pergunto-me se essa imensa multidão de infelizes não sentiria vergonha pelos atos infames que os seus descendentes vêm cometendo.

Pergunto-me se o fato de terem sofrido tanto não seria a melhor causa para não fazerem sofrer os outros.

As pedras de Davi mudaram de mãos, agora são os palestinos que as atiram. Golias está do outro lado, armado e equipado como nunca se viu soldado algum na história das guerras, salvo, claro está, o amigo americano.

Ah, sim, as horrendas matanças de civis causadas pelos chamados terroristas suicidas... Horrendas, sim, sem dúvida, condenáveis, sim, sem dúvida. Mas Israel ainda terá muito que aprender se não é capaz de compreender as razões que podem levar um ser humano a transformar-se numa bomba.»

__________

«Acha que a sua opinião sobre a situação palestiniana vale a perda de milhares de leitores israelitas dos seus livros?
Ai de mim se quando vou dizer ou escrever alguma coisa começasse por pensar se com isso irei vender mais ou vender menos livros... Em Março venderam-se em Israel 3000 exemplares de "Todos os Nomes", em Abril, depois das minhas declarações em Ramallah, apenas 280. A conclusão é fácil: 2720 leitores andavam equivocados a meu respeito, 280 sabiam quem eu era. Estes são os que me importam.

Não o impressiona o argumento daqueles que lembraram que os seus leitores se encontram em Israel e não na Palestina?
É um argumento estúpido e mesquinho, que denuncia uma mentalidade de avaro. A Israel não falta dinheiro para comprar livros, mas eu não me vendo a quem compre os meus, seja quem for e onde quer que esteja. Em todo o caso, que não se preocupem, estou traduzido ao árabe e alguns dos livros que escrevi circularão certamente na Palestina. É mesmo muito possível que um exemplar desses se encontre soterrado sob os escombros de Jenin...» 

José Saramago, entrevista ao "Público"*
* Citado por um amigo

15 maio, 2018

É tudo tão excessivo... faz-me recuar aos tempos dos fascismo


Nos últimos tempos, tenho amenizado o meu próprio asco com frequentes referências a uma citação que tomei por minha e que venho repetindo "o futebol é tão só e apenas a coisa mais importante de entre aquelas que não têm importância nenhuma". 

A imagem acima assusta e faço juramento de não mais repetir tais palavras. O que se passa, passou hoje, é tão excessivo que faz-me recuar aos tempos do fascismo, à alienação alimentada, à agressividade sublimada e mal contida, às veementes discussões sobre tudo e sobre nada, sobre o que não deveria passar de mero entretenimento. 

Há dias, comparei Bruno de Carvalho a Trump numa comparação que parecia fazer sentido. Não faz. O que se passa é pior que isso, pois vai para além dos actores...
«a rivalidade no desporto é tanta maior quanto maiores forem as rivalidades sociais, regionais, nacionalistas e outras. E a ambição da vitória é uma preocupação tanto mais acentuada quanto maiores forem as frustrações pessoais. As dividas monstruosas contraídas pelos clubes exprimem toda a obsessão do resultado. Se as agremiações desportivas vegetam na grandeza dos seus défices, é porque os associados fazem do comportamento das equipas uma razão de prestigio, um motivo de vergonha, uma questão de honra. Para garantir ou acautelar os êxitos, são os dirigentes obrigados a campanhas jogadores mais habilidosos ou esperançosos, por verbas incomportáveis, e sempre crescentes. Como, de igual modo, são forçados a contratar, a peso de oiro, os treinadores de processos fulgurantes, os que melhor dirigem ou conduzem os homens, nas batalhas dos estádios. E para cobrir as ofertas dos adversários e as encargos resultantes, com frequência desabusada se recorre mobilização de mecenas, aos empréstimos urgentes, do hipotecas de ocasião, às influencias políticas, aos favores dos governantes. Para não falar, já, da pressão moral e, mesmo, do suborno de árbitros e contendores, como também dos habilidosos processos de secretaria, da agressão corporal, da utilização de utilização pelos jogadores da própria equipa, etc.»
Prof. José Esteves,
in "O Desporto e as Estruturas Sociais", 
ed. PRELO 1970
É tão actual que até dói!

14 maio, 2018

Palestina, o Dilúvio e a Árvore

O DILÚVIO E A ÁRVORE

Quando a tempestade satânica chegou e se espalhou
No dia do dilúvio negro lançado
Sobre a boa terra verdejante
“Eles” contemplaram.
Os céus ocidentais ressoaram com explicações de regozijo:
“A Árvore caiu!
O grande tronco está esmagado! O dilúvio deixou a Árvore sem vida!”

Caiu realmente a Árvore?
Nunca! Nem com os nossos rios vermelhos correndo para sempre,
Nem enquanto o vinho dos nossos membros despedaçados
Saciar nossas raízes sequiosas
Raízes árabes vivas
Penetrando profundamente na terra.

Quando a Árvore se erguer, os ramos
Vão florir verdes e viçosos ao sol
O riso da Árvore desfolhará
Debaixo do sol
E os pássaros voltarão
Sim, os pássaros voltarão com certeza
Voltarão.

FADWA TUQAN (ler mais, aqui
Hoje, no Largo Camões

13 maio, 2018

Um conto ao Domingo - XIV ("Bolas!")

(qualquer aderência do conto à realidade é mera coincidência)


Israel oleou a máquina e ganha. 
Antes que Benjamin "Bibi" Netanyahu tivesse tempo de reagir, já a Associação Sindical dos Diplomatas Israelitas (ASDI), que teria lido o post do Politeia, se adiantava e, através de um seu responsável, transmitia um sms partilhado com todos os membros do Likud com a seguinte mensagem:

"É uma tremenda vitória para a diplomacia sionista!"

O "Bibi" de pronto ligou à Netta "Tens uma medalha garantida, mas tens de levar a tua tarefa até ao fim!", disse. A Netta, lançou então o que lhe mandava a diplomacia, impor Jerusalém, não vá a coisa resvalar para Telaviv.

Outras reações, por esse mundo fora, não se fizeram esperar. O secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, que tinha afirmando que Jerusalém tem de ser reconhecida como capital de Israel e da Palestina, exclamou, "Bolas!"

A mesma exclamação, segundo testemunhas há pouco ouvidas, foi pronunciada pelos governos da Arábia Saudita e do Egipto. O primeiro-ministro turco Binali Yildirim, que há tempos tinha referido que "Jerusalém é um assunto delicado para o mundo islâmico, foi mais longe e disse "porra!", e o Macron, que também teria alertado a Trump, por telefone, que reconhecer Jerusalém como capital de Israel seria má ideia, voltou a ligar-lhe e desabafou, "que grande merda!".

Até mesmo o papa Francisco se manifestou que tinha em tempos pedido que o status atual seja mantido, usou um vernáculo que lhe é pouco apropriado.

A Televisão Israelita acaba de enviar um extenso dossier com a memória descritiva do projecto para a Eurovisão e o requerimento para usufruto dos concorrentes: na Cidade Velha, das 14 estações pelas quais se acredita que Jesus passou carregando a cruz até Igreja do Santo Sepulcro; da mesquita de Al-Aqsa; da Cúpula da Rocha; do Muro das Lamentações; do pedacinho do Templo de Jerusalém erguido por Herodes.

O exército já deu garantias de poder expulsar a população palestina, é muita gente... mas um ano chega.

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A imagem que se segue nada tem a ver com o conto, é já (a triste) realidade. A partir de amanhã, tudo pode acontecer...

Não, não é apenas opinião

Conhecida essa coincidência, há mais coisas horríveis que também deve conhecer

12 maio, 2018

MARX em Oeiras


Foi uma tarde memorável. Neste outro local dá-se detalhe do que foi a conferencia e o debate (enquanto o vídeo está a ser produzido). Aqui, alertado pelas referencias de Sérgio Ribeiro, durante a sua intervenção, fui procurar a carta que Marx escreveu ao pai, com apenas 19 anos, que recomendo. Não o faço por mera curiosidade, mas para que se espante e se atreva a lê-la  ao primeiro jovem que lhe ocorra...

11 maio, 2018

A proteção de dados ou a forma de sermos lixados... safa-se o "face" - I

Panorama do campus do Facebook
Se promovesse, podia chegar aonde eu quisesse...

Estamos todos lixados com essa treta do Regulamento Geral de Proteção de Dados. Não sabe o que isso é? Nas implicações, ninguém sabe, até os que julgam saber... 

O que parece certo é que o facebook, com servidores gigantescos nos EUA, se prepara para passar ao lado do regulamentado e continuar a coletar "gostos" e "partilhas" e propor-nos promoções que coloca a informação onde se queira, bastando segmentar o público a que se pretenda chegar. Posso eu fazê-lo, como se demonstra na imagem acima e pode uma qualquer empresa. Talvez, por aí, se safem as  PME’s, porque, de outro modo, estão esses micro e pequenos empresários lixados (embora com o face a coisa nada tenha de tranquilizadora...)



Contudo, o facebook tem grandes servidores também na Europa... Mas isso que importa?, como estão em jogo biliões de euros desativa-los será um bom investimento!
CONTINUA




08 maio, 2018

«À Justiça o que é da Justiça, à política o que é da política»


Em Fevereiro de 2010, o então ministro da Justiça, Alberto Martins recusou comentar a publicação de novas escutas relativas ao processo Face Oculta disse, em declarações aos jornalistas «À Justiça o que é da Justiça, à política o que é da política». O lema, como enunciado da separação dos poderes, manteve-se intacto até aos dias de hoje. Há poucos dias António Costa repetiu-o a propósito da posição do PS face à saída de José Sócrates, 
"fico surpreendido, porque não há qualquer tipo de mudança da posição da direcção do PS sobre aquilo que escrupulosamente temos dito desde o início: Separação entre aquilo que é da justiça e aquilo que é da política".

Em oito anos, o PS manteve a coerência mas limitou-se ao enunciado do principio e deixou resvalar os acontecimentos e as situações a um ponto que até envergonham (dizem) os seus dirigentes. PS esqueceu a dimensão moral e ética de quem exerce poderes e esqueceu também o que caracteriza o regime capitalista. Já não recomendo que adote, nos estatutos do partido, um artigo que determine que "No desempenho dos cargos para que foram eleitos, os membros do Partido não devem ser beneficiados nem prejudicados financeiramente por tal facto", mas que pelo menos leia Lukács e Marx
«A filosofia burguesa isola a ética do conjunto da práxis humana, o
que provoca, por exemplo, uma falsa oposição entre moralidade e legalidade (...) ou, se reconhece suas vinculações, insere-a num niilismo relativista, limitando a ética à interioridade da decisão individual abstrata e criando um aparente dilema entre a ética interior e exterior (do sentimento e da obediência)»
Lukács, in "Ontologia do Ser Social.

«Sem sombra de dúvida, a vontade do capitalista consiste em encher os bolsos, o mais que possa. E o que temos a fazer não é divagar acerca da sua vontade, mas investigar o seu poder, os limites desse poder e o caráter desses limites.»
Karl Marx, in "Salário, Preço e Lucro"

07 maio, 2018

O (im)previsível Marcelo

 
Marcelo Rebelo de Sousa apareceu, (naquele) sábado, dizem que de surpresa, no Congresso do PSD e animou e levantou o Coliseu de Lisboa com um discurso que ele próprio considerou emotivo e que a imprensa jura que falou da história do partido.  Por mim, mais diria que, com hábil mestria, descreveu o processo camaleónico de como o seu partido tem vindo a impor o rumo ao País. 

Revendo o discurso de há quatro anos, ele dá todo o sentido à posição declarada há poucas horas, "Se não houver Orçamento aprovado, aí coloca-se um problema muito complicado, que seria o reinício do processo orçamental, e provavelmente aí teria de se pensar duas vezes sobre se faz sentido não antecipar as eleições" 
Ele, não é parvo. E já lançou os dados.

06 maio, 2018

Hoje, Domingo, em vez de um conto lhe ofereço um livro

 

Porque pairam no ar ameaças de guerra, nada como lembrar o sem sentido dela, no dia que se diz dedicado à mãe.

E é por isso
que em vez de um conto, lhe ofereço um livro

É mãe? Então aqui o tem...

Sei que as peças de teatro são para serem vistas no lugar certo, mas quem queira arriscar ouvir uma canção dela, no sossego de sua casa, não perderá nada.

05 maio, 2018

O momento que estamos vivendo e "A Superioridade Moral dos Comunistas"

Foto tirada daqui

Leio no "POLITEIA":
«Neste movediço terreno tanto o PS como os partidos de direita que têm governado o país terão muito mais a esconder do que a exibir, cabendo aos que têm as mãos limpas prevenir a provável onda populista denunciando e investigando politicamente toda essa enorme teia de ligações entre o poder e as empresas de que são exemplos mais significativos as privatizações ruinosas, os contratos de longa duração destinados a transferir significativos recursos colectivos para o sector privado, como as concessões de exploração de bens e serviços essenciais, as PPP, os resgates bancários entre outros. Ou seja, somente contra atacando pelo lado certo se poderá desmontar a estratégia da direita.
Ponto é saber quem pode participar no contra ataque... »
Depois de ter lido e de lá ter deixado em comentário "Aquele que não tiver pecado atire a primeira pedra", lembrei-me de lições que nunca esquecemos:
 «Mesmo que um membro do Partido seja esforçado e cumpra as tarefas do dia a dia, seria errado considerar de importância «secundária» o seu comportamento moral no local de trabalho, na família, na vida pessoal. A conduta moral dos comunistas não é um problema privado, que diga apenas respeito a cada qual. Essa conduta tem repercussões na actividade e no prestígio do Partido. Pertence também em certa medida ao Partido.
(...)
As massas não só aferem, pela sua experiência, a justeza da orientação política e das palavras de ordem do Partido como estão particularmente atentas e são particularmente sensíveis ao exemplo moral dado pelos seus membros. Exemplo de dedicação. Exemplo de combatividade e de firmeza. E também exemplo de comportamento pessoal num sentido mais largo: exemplo de dignidade e da intransigência para com as concepções da moral burguesa e as práticas dela decorrentes. Se a vanguarda ajuíza das influências da moral burguesa sobre as massas, as massas julgam por sua vez o comportamento moral da vanguarda. Os comunistas têm de agir de forma a passar com honra um tal julgamento.»

04 maio, 2018

A João poemou-me


Como comentário a um poema seu, escrevi assim, eu
Não sei que ave sou
Mas no meu voo
divido
o que multiplico
______________
Podes fazer um soneto sobre isso?
E ela satisfez o meu pedido
NÃO HÁ FIM PARA O SONHO. NÃO HÁ FIM...

Não há, neste planeta, mar nem céu,
Estrada longa demais, alta montanha,
Ponte suspensa sobre um medo teu
Que te trave esse sonho e, coisa estranha,

Um pouco desse sonho é também meu,
Um nada dessa chama em mim se entranha
E aonde chegar, chegarei eu,
Pois nisto ninguém perde. Só se ganha.

Não há fim para um sonho construído,
Nem haverá lugar para o vencido
Num sonho desta forma partilhado

Se, quando te pareça estar no fim,
Vês que mal começou dentro de mim
E que outros vão nascendo a nosso lado.

Maria João Brito de Sousa – 02.05.2018 – 12.54h

03 maio, 2018

Bento de Jesus Caraça e o respeito à sua memória


O Bento, assim dele fala sua irmã carinhosamente, era um menino amoroso. Assim começa o vídeo. Lá mais à frente, começam os testemunhos. Registo-os. O vídeo, todo ele e quem nele dá a cara, tem em comum a admiração pelo Homem e por diferença afirmações de sim e de não. 
Era Bento militante comunista? 

Agora isso só importa pelo respeito à sua memória.

Se nos anos sessenta me perguntassem a mim se era comunista, muito provavelmente ou não responderia ou responderia com a ironia que nesse tempo já tinha "Olhe, tenho que consultar Minha Alma e neste momento ela anda ocupada"...

Voltando ao respeito pela memória de Bento de Jesus Caraça, ocorrem-me testemunhos, este, escolhido entre muitos outros:
«(...) nas condições de clandestinidade a organização e os contactos no Partido eram compartimentados e nenhum membro do Partido se afirmava como tal, a não ser na sua ligação orgânica. De mim para mim, tinha por certo que B. Caraça era membro do Partido, mas não o poderia afirmar. O relacionamento partidário directo deu-se em 1943. Em 1941-42, época da reorganização do PCP, eu tinha de novo passado à clandestinidade e sido enviado como funcionário do Partido para o Norte do País. Em Outubro de 1942, tendo sido presos vários dirigentes do Partido, fui chamado de novo para Lisboa, a fim de integrar o Secretariado desfalcado com a prisão de Júlio Fogaça. Ora era precisamente Júlio Fogaça que assegurava na época a ligação partidária com B. Caraça. Fui eu encarregado de restabelece-la, o que sucedeu em 1943.
No mundo então envolvido na 2.ª Guerra Mundial, 1943 foi um ano marcado em Portugal pelo impetuoso ascenso do movimento operário, a afirmação do PCP como um grande partido nacional e o empreendimento pelo Partido da unidade antifascista na luta pela liberdade e a democracia. B. Caraça deu nessa conjuntura uma contribuição em alguns aspectos determinante para alcançarmos com êxito tal objectivo.

Lembro que o III Congresso do PCP (primeiro realizado na clandestinidade), noticiado no Avante! de Novembro de 1943, anunciava a criação do Movimento de Unidade Nacional Antifascista, e o Avante! de Janeiro de 1944 noticiava a formação do Conselho Nacional, orgão supremo do MUNAF.
O êxito deveu-se em grande parte à acção de B. Caraça, como militante do Partido, graças à sua influência nos meios intelectuais e entre os antifascistas. Acompanhei muito de perto toda essa acção. (...) O Avante! de Janeiro de 1944 confirmando a criação do MUNAF anunciava a formação do Conselho Nacional em que inicialmente entrámos, como representantes do PCP, B. Caraça e eu próprio.»
Álvaro Cunhal, in “Testemunho sobre Bento do Jesus Caraça”
E também este:
«O poder revolucionário duma ideia mede-se […] pelo grau em que ela interpreta as aspirações gerais, dadas as circunstâncias do momento em que actua. Assim, uma ideia ou teoria que, em dada época, é revolucionária, pode, noutra em que as circunstâncias sejam diferentes, ter perdido por completo esse carácter.» O que Bento Caraça está a dizer aqui, se não interpreto mal as suas palavras, lembra singularmente a parábola do vinho e dos odres que se pode ler em S. Marcos: «Ninguém deita vinho novo em odres velhos; se o fizer, o vinho acabará por romper os odres e perder-se-á o vinho juntamente com os odres. Mas o vinho novo deita-se em odres novos.» Tenho a certeza de que Bento Caraça, apesar de comunista, laico e republicano, não se importaria de subscrever estas palavras do evangelista.»
José Saramago, aqui

Se, depois destes testemunhos, sobrarem dúvidas, siga-se o ditado do nosso povo ajustado ao passado: diz-me com quem mais andaste, dir-te-ei quem foste!